quarta-feira, fevereiro 13, 2008

triste olhar

Essa tristeza no seu olhar me encanta, diz ela. Deveria ser bom pra mim? Pensa ele. Pois é, deveria gostar de seu semblante, deve ter algo de elegante, talvez cool deva ser. Pensa ele. Pois bem. Volta embaixo do sol ao meio dia, sua maquiagem se desmancha entre o sono e a frustração. Ele deve estar acordando. Pensa ela. E ele olha a paisagem, pensando que elegante não é, porém o olhar de tristeza aceita de mal grado. Não queria não. Ter olhos assim. Nem queria tal mal sentir. Mal será? Pensa ele. É! É truncado assim o seu pensar. Mas dúvidas tem. Se teu olhar tristeza transmite. Mas se assim o faz, deve ser que tal mal lhe pertence. Mal de tristeza, de moço pouco contente. Será que assim toda noite dorme tal moço? Será que lhe diverte certos encontros? Encontros de bar? De lar? De mar? Será que sabe, afinal, se bem ou mal está? Dúvidas deve ter. Deve pensar ao tomar o seu café e o cigarro fumar, se assim quer continuar a passar. Se deve mesmo viver a esperar os seus olhos um dia virem a brilhar. Tem certas certezas acredito. Que de olhos brilhantes nunca vai ficar. Que de vida boa, já começa a desconfiar. Que de letras deve estar a cansar. Que amor, que esse tem endereço e lugar. Mas que longe permanece. Tal moço aos poucos convalesce, dança com suas fantasias. Se diverte quando só, mas triste continua a ficar. Ensaia passinhos no apertado quarto. Brinca de cientista. Lamenta a angústia de ser essa a vida. Olhos tristes? Pergunta-se o moço. Pois deveria sorrir? Insiste em perguntar-se.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Em busca do tabaco

Em busca do tabaco
(Trechos de uma narrativa feita em Shuimïwei, comunidade Yanomami)


Graças a Kuripowë, conhecemos o tabaco...

...

— Estou ansioso, ansioso. Sinto uma necessidade que me deixa insensível a qualquer outra sensação — afirmava a voz que se aproximava.

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— Estou ansioso, sinto uma ansiedade tão forte — seguia Kuripowë sem se interromper.

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— Não é minha intenção encher-lhes o saco, só me queixo por sentir-me ansioso. Estou sentindo uma necessidade de algo, só por isso espalho esta queixa por toda parte.

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— Vá transar com as mulheres, fazer-lhes crianças. Elas foram pra lá.

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— Por que se queixa? Está de luto? Acham-se reunidos por causa de uma morte?

— Não. Queixo-me porque algo me falta, queixo-me porque sinto uma falta muito profunda.

...

— Quem é você?

— Sou eu, e estou me lamentando. Sou eu.

— Está de luto para se lamentar desse modo?

— Não. Estou me lamentando sem razão.

— As mulheres estão por aí, transe com elas, faça-lhes crianças.

— Não, estou falando sem razão. Estou atormentado por uma necessidade — acrescentou.

Finalmente, chegou até aquele que realmente tinha saber. Também ele achava-se em cima de uma árvore.

— Qual é a razão para estar se lamentando?

— Não há uma razão precisa. Falta-me algo. Sinto uma terrível falta e carrego meu lamento. Quebre um galho, cunhado, acrescentou, quebre um galho e deixe-o cair. Estou com fome.

...

Comeu o invólucro das sementes [do fruto pahi]. Ninguém lhe prestava atenção.

— Cunhado, deixo-lhe as sementes aqui.

Urinou em cima, e depois acrescentou:

Estão aqui, cunhado. Cozinhe-as e retire-as da água ainda quentes, e ponha na boca ainda quentes.

— Sim! Mas o que estava dizendo quando chegou?

— Estava me lamentando que algo me fazia falta.

— Veja aí, está perto de você, tem uma faca de pedra no chão, sobre o cabo tem uma masca de tabaco.

...

Queria provavelmente propagar o tabaco; em todos os lugares onde cuspiu o suco da masca, cresceu um pé de tabaco. A planta se elevou imediatamente e começou a florescer, os beija-flores chegaram para sugar. Foram estas as marcas que Kuripowë deixou em seu trajeto; foi graças a ele que o tabaco se propagou.


Ayë! ayë! ayê! — foram as exclamações do herói em narração registrada na comunidade Karohi. “Foi Nosiriwë — diz essa versão — quem propagou o tabaco por toda parte. Foi Cuchicuchi quem o descobriu”.

Esta é uma tradução de AmaZone de “En busca del tabaco (II)”, In Yanomami. Los pueblos indios en sus mitos Nº 4, pp. 68-70, de Jacques Lizot, Luis Coco & Juan Finkers (Abya-Yala, 1993). O mito pertence ao conjunto compilado por Lizot.

Sobre ansiedade considerada análoga por este mito Yanomami, uma menina Plêiades do Alto Rio Negro assim se exprimiu:
“Mamãe, sofro de um certo mal, que me dá uma vontade que não sei explicar”.
“O que você sente?”
“Quando meu mal começa, é uma coceira, uma mal-estar que dói e não dói, corre-me depois pelo corpo todo e me dá uma vontade de me morder todinha, e no fim sinto que vou desmaiar e choro. Quando durmo vejo sempre do lado de minha rede uma porção de jovens bonitos que querem me beijar, querem me abraçar e eu não consigo fugir”.
“Lenda de Jurupari”, de Maximiano José Roberto/Stradelli, p. 303-304, In Makunaíma e Jurupari, Sérgio Medeiros (org.). Perspectiva, 2002. (Trad.: Aurora. F. Bernardini)