sexta-feira, outubro 27, 2006

mais um comentário anônimo (que é nônimo na verdade), esses comentários do nônimo são melhores que os posts, mas tudo bem...

Anônimo disse...

Quanto tempo sobra para partir a alegria? "Hein?"
Bons. Tempos. Quantos. Poxa, já nem me esqueço mais.
(Ou - O quão será elástica uma tristeza? Ela puxando prum lado e eu pro outro - "e nunca arrebenta!" -, ou será que não?)
Ok. Mas então, você ainda está cavando esse buraco... pra quê? "Para si interrar, pra si interrogar". Dúvidas, duvida? Como deita o ditado: se alguma coisa não tem fim (?), a outra sim (!)
Ah, já chega né?! De senso comum e mesmice bastam as boas aulas de antropologia... Vamos para a terceira margem ("é bom virar essa canoa, senão lá não se chega hein!"). Vamos conjugar o verbo na quarta pessoa do plural ("no começo era o delírio do verbo...")
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"Mas hein? Tá bom, deixo a última, sinceríssima: O bar do Gerson não é mais o mesmo sem vocês! Aí, viver só, olhando pro mar"

quarta-feira, outubro 25, 2006

queria o silêncio de pele queimando ao sol
queria a velocidade da pele envelhecendo
queria ouvir mais o som da caneta a riscar o papel
Queria para mim o silêncio da xícara
(essa é uma beleza roubada)
queria a paciência das pedras
queria beleza da fumaça dançando

quinta-feira, outubro 19, 2006

não faça assim

Não faça assim, não! Não me tire para bailar, não me sussurre aquela canção, não, não me fale de tempos outros, quando entrelaçávamos nossas mãos, não, não faça assim não, não encoste esse seu rosto em meu colo, não, não me tire para dançar, não me lembre daquela canção, não, não pense bem de mim, não me trate assim com tanta consideração, não, não faça de mim parte de ti, não, não me chame de amor, não, não toque seus lábios em minha face, não, não me marque com aquele batom, não, não me tire para dançar, não, não me fale de tempos outros, não, não toque meu braço, não, por favor, não me fale de nossas lágrimas e daquele cinema, não, não diga que ainda somos como naqueles tempos, não, não me tire para dançar, não, não cante aquela canção, não, não me lembre daquelas meias coloridas, não, não chegue tão perto, não, não me levante do chão, não, não me tire o copo da mão, não, não me tire para dançar, muito menos me cante aquela canção.

pensava em corações partidos aquele moço

Pensava em corações partidos aquele moço, olhava para o seu cinzeiro e via ali suas angústias amontoadas a transbordar, devorava os conteúdos dos copos e taças, devorava suas emoções, devorava corações como um cão faminto a saborear carne crua. Ouvia a brasa queimar e apagava o cigarro em sua pele, marcava sua pele e alma e se contorcia em gozo e desespero.

Olhava a calçada, lá do alto do décimo primeiro andar, e imaginava seus órgãos a se espalhar entre as pernas dos transeuntes, pensava na banheira cheia a rosear a partir do sangue de seus pulsos, pensava nas pombas da praça a lhe devorar os olhos castanhos enquanto se masturbava, aquele moço, de face tão tranqüila, pensava em riscar suas pernas com a ponta da faca mais reluzente que encontrara e em seguida cravar a mesma entre os dedos do pé esquerdo.

Pensava em delicadezas aquele moço, pensava em abraçar aquela pequena senhora que anda tranquilamente lá embaixo dos onze andares, pensava em mandar flores a seus amigos, pensava em beijinhos estalados na face de sua garota, pensava em gentilezas com estranhos, em ceder o lugar no ônibus para aquela mocinha que se espremia entre os trabalhadores suados, penava em compra uma marmita para aquele senhor que baba na calçada lá embaixo.

Ainda pensava em delicadezas e gentilezas quando finalmente apertou o gatilho, mas já em nada pensava quando pedaços de sua massa craniana respingavam pelas faces dos pedestres que olhavam para o alto décimo primeiro andar curiosos com aquele estrondo.

quarta-feira, outubro 18, 2006

alguém me mandou esse texto, por enquanto de autoria anonima, vejam ae o que voces acham...


Há muito tempo ela fazia aquele caminho de volta pra casa. Desde que sua mãezinha (que Deus a tenha!) era viva. Agora estava só, havia alguns anos, na velha casa. Filha única e solteirona, costurava para fora, para algumas velhinhas do bairro, conhecidas de longa data, aquelas que ainda compram tecidos e mandam fazer suas roupas. E aos domingos, era à missa que aquela balzaquiana ia, com passos apressados, bíblia embaixo do braço e coque bem feito preso com grampos e lenço. Não era feia mas não chegava a ser bela. Pode-se dizer que as roupas não lhe ajudavam na aparência, sempre de cores sóbrias e tecidos grossos.

Há alguns meses tivera que mudar o trecho percorrido de volta pra casa. Como freqüentara a missa das sete, saía da paróquia já de noitinha e sentia medo ao passar por uma antiga construção abandonada em que alguns mendigos passaram a morar. Nunca se sabe né, esses homens sujos, bêbados, devem ser uns tarados, pensava ela. E a fim de preservar sua integridade física e moral, a jovem senhora andara duas quadras a mais, contornando uma praça para chegar até sua casa.

Na rua íngrime em que subia para ter acesso à praça havia um luxuoso edifício, de grades altas e jardim bem cuidado. Bem próximo à calçada havia uma guarita, mas o vigia do prédio nunca estava lá dentro e sim de pé encostado ao portão, rádio ligado e cigarro entre os dedos. Era um senhor, de cabelos quase todos brancos, bigode espesso e pele morena. Devia ter uns cinqüenta anos. E todos os domingos, assim que ela virava a esquina, ele estava lá, como a lhe esperar. Nunca ousara olhá-lo diretamente, só rapidamente antes de chegar em frente ao prédio. Mas suas mãos suavam friamente, seus pés tremiam em cima do salto impedindo seus passos de se apressarem.

O homem ficava a lhe fitar intensamente e as luzes do edifício pareciam fazer piscar o perfil daquela mulher, num jogo de claro e escuro entre as sombras das grades que corriam por seus olhos. Numa noite de domingo, em que alguns chuviscos caíam sobre a cidadezinha, lá estava ele a esperá-la. Logo pensou que ela viria com uma sombrinha e que não lhe daria chances de descobrir nem um pouquinho mais daquele rosto misterioso. Ela surgiu na esquina, somente a bíblia debaixo do braço. O corpo já estava molhado, os cabelos estavam soltos e ela vinha a passos mais lentos do que de costume. No pisca-pisca das grades, ele viu seus olhos a olhá-lo e um tímido sorriso no canto da boca se fez depressa. Ao se cruzarem em frente ao portão, ela sentiu além do cheiro da fumaça do cigarro, sentiu sua respiração.

Apressou-se novamente, com gana de estar em casa o mais rápido possível. Naquela noite, Alice não adormeceu no sofá em frente a tv e esqueceu-se engomar o saiote de Dona Idalina. Dormiu em sua cama, com as mãos a lhe acariciar os seios e as coxas, a passear por dentro da calcinha e a encharcar os lençóis.

vou comprar cigarros

hoje to com olhar fixo em lugar algum
com vontade de descrever coisas com ar de quem não as vê
de quem olha assim, meio de viés
meio de sentir dor em cada ruído
hoje eu queria sair e olhar nos olhos das pessoas nas ruas
e me ver em cada gesto de cada pensamento
queria sair hoje a ficar perambulando entre coisas
hoje queria ser poeta
queria ser atropelado só para ter uma história para contar
chega, queria assim, escrevendo bobagens sobre coisa alguma
vou comprar cigarros e ver se algo acontece
pena que vou voltar
sei que vou
e não vou ser atropelado
e não vou sair para beber e chutar o balde
não vou fazer nada hoje
vou só ficar andando pelo décimo primeiro andar
sem vontade de ....
então ta, vou la comprar cigarros
até mais.

um desses dias cinzas

Um desses dias cinzas, de fina garoa, de cafés e cigarros, de uma simples felicidade de tristeza como pano de fundo, de respiração difícil e de um quase mal estar, estranhamente cômodo e agradável. Agora já se faz noite, e as luzes das casas na paisagem de morros deixa colorida essa escuridão de lua escondida e vento frio a balançar a cortina. Pela janela assiste ao vazio das ruas, escuta o silêncio da catedral e o não chamado de Deus, que mora ali, ao lado da casa dele, mas deve ser surdo.

Resolve sair assim, de pijama mesmo, só para comprar cigarros. Ele sempre pensa na frase: - saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou, melhor colocar um sapato então, vai que nunca mais volta, então é melhor se arrumar um pouco né, vai que nunca mais volta, se é para ir, é melhor ir arrumadinho, então resolve cortar o cabelo, um costume seu, quando quer ficar arrumadinho, então acha mais conveniente fazer a barba e se perfumar, vai que nunca mais volta, é melhor ir arrumadinho.

Então quando esta bem alinhadinho, cabelo retocado e barba feita, cheirinho bom e sapatos, entra no elevador e se olha naqueles vários espelhos, sente-se bem e preparado para ir, mas ir assim sem nem um café, é melhor ver se consegue tomar um café antes, mas naquela hora vai ser difícil é o que pensa. Lembra da rodoviária, um bom lugar para tomar café e comprar cigarros no meio da madrugada. Será que é por isso que as pessoas vão comprar cigarros e nunca mais voltam, é né, melhor lugar para as três coisas é a rodoviária. Compra seu L&M, pede seu café e pensa que agora é o momento de acontecer a tal coisa, o que será que acontece às pessoas para irem e nunca mais voltarem, fica la sentado e espera, olha as pessoas que se aproximam dele, é agora pensa ele, vai sussurrar algo no meu ouvido e eu vou e nunca mais volto. Uma mulher bastante velha com dificuldade de andar se aproxima dele, vem em sua direção com o olhar fixo. É agora! Ele pensa, finalmente vou descobrir. - Me da um cigarro filho. – Nossa, e agora ela vai ma falar algo. Obrigada, Deus lhe abençoe. Ah, que decepção quando ela se vai lentamente, jogando fumaça ao ar.

Pede outro café, e espera que alguém se aproxime e lhe diga algo que o faça ir, e espera, esperou por trinta anos e ninguém nunca lhe disse nada.

terça-feira, outubro 17, 2006

pintura

para paula hemm: para ti tiro meu chapéu, quer dizer, tiro meus sapatos.

Sempre compreendo o que faço depois que já fiz.
O que sempre faço nem seja uma aplicação de
estudos. É sempre uma descoberta. Não é nada
procurado. É achado mesmo. Como se andasse num
brejo e desse sapo. Acho que é defeito de
nascença isso. Igual como a gente nascesse de
quatro olhares ou de quatro orelhas. Um dia tentei
desenhar as formas da Manhã sem lápis. Já pensou?
Por primeiro havia que humanizar a Manhã.
Torná-la biológica. Fazê-la mulher. Antesmente
eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as
coisas. Porém humanizar o tempo! Uma parte do
tempo? Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem
lápis a Manhã de pernas abertas para o Sol. A
manhã era mulher e estava de pernas abertas para
o sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre
Antônio, 1964, Lisboa) eu aprendera que as
imagens pintadas com palavras eram para se ver de
ouvir. Então seria o caso de ouvir a frase pra
se enxergar a Manhã de pernas abertas? Estava
humanizada essa beleza de tempo. E como os seus
passarinhos, e as águas e o Sol a fecundar o
trecho. Arrisquei fazer isso com a Manhã, na cega.
Depois que meu avô me ensinou que eu pintara a
imagem erótica da Manhã. Isso fora.

Manuel de Barros

sábado, outubro 07, 2006

Blogger: Postar um comentário

Blogger: Postar um comentário: "Anônimo disse...

entre a pedra de gelo e o copo, ali, havia um caminho...
no meio do caminho havia uma pedra de gelo e um copo...
ali, a via, no caminho. e estava tão perto que já não era tão ali: podia passar meus dedos entre seus cabelos, podia deitar sua cabeça em meu colo, cafunés e confissões. então a pedra começou a derreter - era tempo de servir as duas doses, embriagar o copo, a pedra, e vice-versa, e adiante... nesse instante percebi ao fundo, era o chico: 'vai passar nessa avenida o samba popular...' Mas ninguém passou, ninguém sambou. O gelo derreteu e o copo voltou pro armário. Nem tudo acaba em pizza

uma mensagem de rafael pansica (fora de moda, e das festas... bom, mas o horóscopo já predestinava: 'falta fogo aí' hehehe)

abraço"

quarta-feira, outubro 04, 2006

brincadeira é coisa séria

Andava a chutar pedras quando criança, nas canelas finas, o roxo e os caroços das pancadas eram admirados e exibidos pelo menino que vivia a pular de telhados em telhados. Ainda hoje traz nas mãos as marcas do cortante das linhas de pipa e dos esfolados no cimento do estreito corredor de seu quintal. Saía cedo no verão de céu azul e sol escaldante, a pedalar pelas ruas do bairro, a se aventurar pelo corguinho da marginalzinha que cortava seu bairro e fazia divisão com o pequeno aglomerado de barracos em que viviam seus visinhos e quase inimigos de criança.
Os grupos iam se formando, as rivalidades se estreitando, temporadas de rolemã, de pião, de pipa, de bolinha de gude, desafios entre os grupos das ruas. Estavam lá, sempre dispostos a desafios, aos contras, testando os limites, a coragem, a honra de si mesmo, da rua, do grupo. Conheciam cada palmo daquelas ruas, escalavam qualquer muro, qualquer telhado, exploravam cada possibilidade de se divertir. Seus corpos iam se construindo em cada tombo de laje, em cada corte em lanças de portão, em cada furo de pregos, em cada estilhaço de bombinhas, em cada queimadura de tochas de balão, em cada mordida de cachorro.
Seus gestos eram moldados pelos cumprimentos inventados, toques de mão que falavam dos estilos, do skate, do boy, do surf, do “normal”, do “noiaba”, as cores das roupas falavam dos anos noventa, as longas franjas, os cabelos compridos, cabelos tigela, inventavam grafias e queriam pichar, entravam nos ônibus e desciam pela porta traseira sem pagar, nos mercados começaram a roubar pequenos mimos pra brincar.
As primeiras mocinhas a beijar, a vergonha e a face a rubrar, as primeiras punhetas, os primeiros tragos e goles, os corpos começam a experimentar novos limites, continuam a querer brincar, nunca pararam de inventar, as aventuras são outras, não olham mais para o céu a procurar pipas que o vento esta a levar, procuram coisas outras pelas estrelas. Uns ficaram pelas ruas cinzas de São Paulo a experimentar velocidades com motores e não mais com bicicletas, outros vivem a trabalhar e a criar novas crianças, outros se aventuram por terras nordestinas, outros foram para o sul, e brincar de brincar com letras, todos levamos a sério a brincadeira de viver.