segunda-feira, janeiro 28, 2008

Em busca do tabaco

Em busca do tabaco
(Trechos de uma narrativa feita em Shuimïwei, comunidade Yanomami)


Graças a Kuripowë, conhecemos o tabaco...

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— Estou ansioso, ansioso. Sinto uma necessidade que me deixa insensível a qualquer outra sensação — afirmava a voz que se aproximava.

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— Estou ansioso, sinto uma ansiedade tão forte — seguia Kuripowë sem se interromper.

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— Não é minha intenção encher-lhes o saco, só me queixo por sentir-me ansioso. Estou sentindo uma necessidade de algo, só por isso espalho esta queixa por toda parte.

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— Vá transar com as mulheres, fazer-lhes crianças. Elas foram pra lá.

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— Por que se queixa? Está de luto? Acham-se reunidos por causa de uma morte?

— Não. Queixo-me porque algo me falta, queixo-me porque sinto uma falta muito profunda.

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— Quem é você?

— Sou eu, e estou me lamentando. Sou eu.

— Está de luto para se lamentar desse modo?

— Não. Estou me lamentando sem razão.

— As mulheres estão por aí, transe com elas, faça-lhes crianças.

— Não, estou falando sem razão. Estou atormentado por uma necessidade — acrescentou.

Finalmente, chegou até aquele que realmente tinha saber. Também ele achava-se em cima de uma árvore.

— Qual é a razão para estar se lamentando?

— Não há uma razão precisa. Falta-me algo. Sinto uma terrível falta e carrego meu lamento. Quebre um galho, cunhado, acrescentou, quebre um galho e deixe-o cair. Estou com fome.

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Comeu o invólucro das sementes [do fruto pahi]. Ninguém lhe prestava atenção.

— Cunhado, deixo-lhe as sementes aqui.

Urinou em cima, e depois acrescentou:

Estão aqui, cunhado. Cozinhe-as e retire-as da água ainda quentes, e ponha na boca ainda quentes.

— Sim! Mas o que estava dizendo quando chegou?

— Estava me lamentando que algo me fazia falta.

— Veja aí, está perto de você, tem uma faca de pedra no chão, sobre o cabo tem uma masca de tabaco.

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Queria provavelmente propagar o tabaco; em todos os lugares onde cuspiu o suco da masca, cresceu um pé de tabaco. A planta se elevou imediatamente e começou a florescer, os beija-flores chegaram para sugar. Foram estas as marcas que Kuripowë deixou em seu trajeto; foi graças a ele que o tabaco se propagou.


Ayë! ayë! ayê! — foram as exclamações do herói em narração registrada na comunidade Karohi. “Foi Nosiriwë — diz essa versão — quem propagou o tabaco por toda parte. Foi Cuchicuchi quem o descobriu”.

Esta é uma tradução de AmaZone de “En busca del tabaco (II)”, In Yanomami. Los pueblos indios en sus mitos Nº 4, pp. 68-70, de Jacques Lizot, Luis Coco & Juan Finkers (Abya-Yala, 1993). O mito pertence ao conjunto compilado por Lizot.

Sobre ansiedade considerada análoga por este mito Yanomami, uma menina Plêiades do Alto Rio Negro assim se exprimiu:
“Mamãe, sofro de um certo mal, que me dá uma vontade que não sei explicar”.
“O que você sente?”
“Quando meu mal começa, é uma coceira, uma mal-estar que dói e não dói, corre-me depois pelo corpo todo e me dá uma vontade de me morder todinha, e no fim sinto que vou desmaiar e choro. Quando durmo vejo sempre do lado de minha rede uma porção de jovens bonitos que querem me beijar, querem me abraçar e eu não consigo fugir”.
“Lenda de Jurupari”, de Maximiano José Roberto/Stradelli, p. 303-304, In Makunaíma e Jurupari, Sérgio Medeiros (org.). Perspectiva, 2002. (Trad.: Aurora. F. Bernardini)