sexta-feira, dezembro 30, 2005

infeliz ano novo

Apaga o cigarro e sente vontade de acender outro, pensa que é melhor não, desiste rápido. Pega o maço, bate duas vezes contra os dois dedos, o indicador e o do meio, puxa um dos cigarros de filtro branco, pega o isqueiro preto, protege a chama com a mão esquerda, acende e fuma com certa tranqüilidade em tragos calmos, descansando o cigarro de vez em vez no cinzeiro de porcelana branco e, como sempre, se diverte com a fumaça que dançando, dessa vez ao som de Mazzy Star.
Pela janela do quarto observa a vida no mundo externo, o dia muito claro e quente com uma brisa constante. Mais um ano que vai passando pela janela de seu quarto de parede azul, só mais um dia e 2005 jaz. Mensagens desejando paz e harmonia circulam por todos os lados e bocas e ele pensa que sua barriga ta crescendo mais do que deveria, não é bem uma preocupação é mais uma de suas observações. Sempre se percebe só nessas épocas festivas, não gosta muito de abraçar as pessoas e desejar: feliz ano novo. Não compra roupa nova e não usa branco, faz o que sempre faz normalmente, bebe, só que mais chato porque sempre fica longe dos amigos e sempre tem uns bêbados chatos pelas ruas, muita gente e muita bagunça, muito barulho e músicas ruins, o lado bom é que encontra a família, pena que isso não é constante. Fora isso se sente deslocado, parece que gosta de ser do contra, enquanto o mundo festeja ele fica entediado, ou é egoísta demais, acho que gosta mesmo é de quando todos dormem só para ele se sentir especial e dizer: enquanto a vida adormece por todos os cantos meu pulso acelera entre as coisas noturnas. Mas no fim de ano as coisas noturnas são iluminadas pelos fogos e pulsos pulsam por toda parte. Saco.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

coisas de jovem

Para a pia já amontoada de louças sujas e engorduradas mando mais uma xícara suja com restos de café frio, para o cinzeiro já cheio mando mais uma bituca do último cigarro do maço. A noite vai chegando ao fim, o alvoroço dos pássaros vai aumentando e eu não consigo parar de dançar sozinho no meu quarto.
Mas o dia chegou e as notícias já estão nas bancas, a água ferve e o aroma do café logo se espalha pelas casas. Desliga esse radio e vai dormir que a vida começou a pulsar nesse lado do mundo, se esconda meu caro ou entre no jogo.
Pois então vamos lá, nada de se esconder nem de entrar no jogo, vou entrar na contra mão e acelerar, vou me esborrachar eu sei. E daí? Vou quebrar a cara num poste ou num caminhão, que seja, desde que o volume esteja alto e tocando um rock, pode ser violent femmes. Não quero dormir nunca mais, vou sair para beber pelas manhãs de domingo na frente das igrejas. Que coisa de jovem isso e eu não sou mais jovem e não tenho esse carão. O que eu faço? Ora, vou arranjar um emprego, é isso. Coisa de adulto sabe, trabalhar e criar filhos, talvez um cachorrinho bem bonitinho, vou ouvir tango e música clássica, coisa de intelectual, nada de rock isso é pra os jovens, o negócio é astor piazzola. Caia na real, você ficou ai dançando sozinho a noite toda, ta deprimido e cansado, ta velho, vai dormir e vê se para de fumar que a idade de câncer ta próxima.

carta à amada

Ta bom, te dou aquela foto que você me pediu e eu gosto tanto, já me recusei a dá-la para todas, elas sempre me pedem essa foto, mas pra ti eu dou meu bem. Assim como tenho me entregado de alma mais ainda que de corpo. Pois é, agente não precisa se preocupar tanto assim com as coisas do corpo, e como são lindas nossas trepadas, te dou minha foto e minha alma.
Retrato, imagem e semelhança, diz muito aquela imagem minha, fala sobre mim, da até pra ver meus pensamentos. Você enxerga? Preste atenção que da pra ver. Pensava em ti mesmo sem saber que seriamos assim tão amantes, como pode? Penso em você desde sempre, mesmo sem saber que era por ti que escrevia aqueles poemas na juventude, mal eu existia e já sentia saudades tuas e chorava de desespero, de medo de te perder, que medo que eu tenho meu bem de perder sua face perto da minha ao amanhecer.
Olha ai na foto, ta vendo certa tristeza no semblante, era porque ainda não havia te encontrado, era por você que me isolava das pessoas e me refugiava entre a fumaça do cigarro, veja o cigarro na minha boca me acompanhando nesse, e em outros momentos de introspecção. Lembra quando agente se encontrava naquelas festas e agente se olhava, lembra? Nossa lembra como eu bebia desesperadamente, era por pura angústia de te encontrar, não sabíamos né, que seríamos assim tão amantes, tão cúmplices.
Mesmo quando demos aqueles primeiros beijos, não percebemos que nossos traços são tão semelhantes, dizem que agente se parece, deve ser porque somos tão amantes que nos confundimos um no outro. Quero perder a noção de onde começa o seu corpo e termina o meu, assim como quando nos amamos e terminamos em risadas, quero rir muito ao seu lado minha querida e chorar também, chorar de saudades, enquanto ainda choramos a falta do outro ainda não nos perdemos meu bem, não perdemos, não vamos nos perder.
Veja minha letra como é tremida, difícil te escrever agora que sua partida é tão recente, meus pensamentos tão confusos como um turbilhão essas imagens que vão brotando parece uma tempestade minha querida, tem uma tempestade aqui dentro de mim, ta causando um estrago terrível, derrubando arvores que demoraram tanto pra se desenvolverem, suas raízes eram tão profundas. Vou me despedindo agora minha querida esperando a calmaria de tua presença.

Beijos apaixonados de seu
cabelo

bucólica vida de cidade

Era uma manhã calma e bonita, poucas nuvens enfeitavam o céu e o sono ia se despedindo com os goles no café e os tragos no cigarro. Um dia inteiro para nada fazer. Pensa que sua vida na cidade mais parece um bucólico viver no campo... seus discos, livros, blá-blá-blá... sentado na mesa brinca com os farelos do pão na toalha xadrez e fica observando a fumaça do cigarro brincando no ar.
Senta-se no sofá e fica olhando sua imagem refletida na tela da tv desligada, pensa num passeio qualquer que sirva de distração e ajude a passar o tempo, como tem sido longos os dias daquele verão, longos e quentes, pensa que não faria tão mal nadar no poluído lago ali ao lado da sua casa, afinal nunca ficou sabendo de alguém que morreu por ter se banhado ali, melhor deixa. Vai uma chuverada mesmo.
Sai do banho e caminha nu pela casa, deita na cama e fica olhando pro teto até que, hora e meia depois, a fome aperta e resolve sair pra caçar um almoço. É bom caçar na cidade, basta um cartão de crédito nem munição precisa, pode pescar também e nem precisa de vara ou arpão, apenas de um talão de cheque e nem fundo precisa ter.
Veste-se cuidadosamente para parecer casual e pega o ônibus de não sei quantos cavalos de potencia, diz bom dia as pessoas mas ninguém o responde, desce no centro e percebe que é fim de ano, só agora se da conta que se aproxima o natal, na frente da loja um papai noel de roupa vermelha, manga e calça compridas e toquinha derrete ao sol de quarenta graus dos trópicos, o frenesi das pessoas no entra e sai das lojas com vitrines decoradas de vermelho, verde e neve, crianças chorando, homens e mulheres aflitos com os crediários a perder de vista que acabam de assinar. Hou-hou feliz natal, grita outro papai noel vigiado pelo patrão atrás do caixa.
Percebe que sua caçada por um bom almoço vai ser um pouco mais difícil que imaginava, filas por todos os lados, imagina como seria o natal no campo e que talvez fosse mais fácil pescar mesmo, acaba entrando numa padaria e pedindo um hambúrguer, uma coca e mostarda. Será que tem mostarda no campo? Se pergunta. Ah essas coisas tem em todo lugar hoje em dia. Volta para casa pensando no natal, que esse ano não vai dar ou receber presentes, nem vai ver qualquer programa de retrospectiva, nem a missa do galo, nem os fogos em Copacabana, vai fugir para o campo, montar a barraca no meio do mato, pensa que é melhor levar mostarda e coca, putz, mas como vai colocar a coca pra gelar, pensa que é melhor ficar em casa mesmo e tomar um dramim na passagem de ano.

terça-feira, dezembro 20, 2005

o corpo que balança

O corpo balança, as brasas dos cigarros riscam o escuro e os olhos ardem com a fumaça, o mundo gira a seu redor, as pontas do seu cabelo molhado pelo suor grudam pelo pescoço e pelo rosto, os pelos dos braços se arrepiam e tudo que faz é dançar até se esgotar. Quando a música para se da conta que é dia e a festa já não mais existe.
Volta caminhando, o céu começa a avermelhar e os primeiros raios de sol atravessam a noite já clara, os primeiros trabalhadores passam e invejam aquele lento andar próprio dos que não tem qualquer compromisso. Para na padaria e compra uma água e um maço de LM (o cigarro do rock), toma a garrafa de uma vez só e acende o primeiro cigarro do dia, ou o último da noite?
A manhã é quente e o sol forte, mais um trabalhador passa de bicicleta e lhe lança um olhar, não de inveja, mas de reprovação, como se dissesse: quanta vagabundagem. Tava na cara, nas roupas e no sorriso que voltava de uma bela gandaia, desfilava pelas ruas como se fosse uma passarela, seu papel? Seu papel é aquele que toda mãe não quer para a sua cria: o da irresponsabilidade, vadiagem, promiscuidade e etc.E como representa bem, representar não é bem o termo, e como vive aquilo bem, dança incrivelmente, trepa alucinadamente, toma porres homéricos, fuma desesperadamente, nunca teve um emprego sequer, joga sinuca como ninguém, existe simplesmente para diversão irresponsável, aos vinte e tantos anos da aula de malandragem e nem colegial terminou. E assim vai levando, e não há em toda boemia, homem ou mulher, que não a conheça, ela é conhecida por um nome simples, não se sabe se é o verdadeiro, mas a chamam de Amélia.

parede mofada

Fuma como nunca. Bebe como jamais fizera. Desesperada angústia de um bem viver, não sabe se é certa a maneira que faz, mas mesmo assim atropela os acontecimentos e vira uma taça após outra com a voracidade dos jovens poetas românticos.Talvez morra aos quarenta, ou ainda antes, dado sua magreza e a negritude de suas olheiras. Seu pulmão dói ao menor esforço, sua cabeça só fica leve quando o corpo é entupido por aspirinas e não consegue comer, quando o faz vomita desesperadamente. A cada tosse espera pelo sangue que não vai demorar a sair de sua boca, seu pau não fica duro quase nunca, não pensa mais em transas e nem sequer se masturba, a morte se aproxima como um cão farejando o mijo do rival, seus olhos secos só umedecem quando avista os retratos dos bons momentos colados pela parede mofada de seu quarto.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

só, eu e meus pensamentos

O lento circular dos ponteiros do relógio é o retrato do dia, ela fica zanzando pelo apartamento com preguiça de existir, da sacada do oitavo andar fica a observar os transeuntes procurando pessoas familiares, acende o cigarro e tenta acompanhar seu cuspe até o momento que se espalha no chão, mania que a acompanha desde criança, fica tentando acertar um em cima do outro ou uma cabeça qualquer.
Volta para dentro e deita no sofá vermelho e preto e dali contempla o teto e o silêncio que só é rompido por um motor barulhento que passa pela rua, desce e compra algumas cervejas, fim de tarde melancólico.
No mercado passeia entre as prateleiras olha os preços e as pessoas que a tempos já não lhe interessam, criou um pleno desprezo pelo ser humano, vive só e evita ao máximo multidões, na rua procura as calçadas mais vazias, os lugares ela freqüenta nos momentos de tédio e para necessidades fundamentais como comprar comida cigarro e álcool.
Volta para casa com impaciência neurótica de sua existência, só entra no elevador quando vazio, deu sorte dessa vez, ele o aguardava como se adivinhasse seu mal humor, em certa ocasião ficou por mais de hora esperando, pessoas chegavam e ela esperava, por pura implicância não subiu pela escada, esperou que ninguém fosse mais subir e então entrou no seu elevador sem ter que passar por aqueles eternos momentos de silêncio entre quase conhecidos dentro de um elevador, ta aí algo que ela realmente tinha pânico.
Em casa o telefone toca e ela fica lá contemplando o aparelhinho até que enfim para e só então ela consegue respirar normalmente, resolve desligar de vez o aparelho, só não tinha feito isso até então porque cultivava certo prazer em ficar lá ao lado enquanto tocava, só para não atender. O que lhe dava prazer agora a deixava aflita, assim também era com os ônibus, adorava entrar em qualquer linha que passava e ficar rodando pela cidade, qualquer um que estivesse vazio é claro, até o dia em que fazia o itinerário que mais gostava porque sempre estava vazio, sempre até aquele dia, quando por um motivo misterioso – talvez um outro ônibus quebrado ou o fim de algum evento – começaram a entrar muitas pessoas e muitas crianças, pequeninos seres que ela não suporta, quando se deu conta estava perdida entre uma multidão barulhenta e feliz, suava frio e tinha ânsias e ali mesmo vomitou, quando consegui sair jurou pra si mesma que nunca mais entraria num ônibus, e la se vai um ano de promessa cumprida.
Tem se tornado cada vez mais sistemática e tem se arrumado muito, troca de roupa pelo menos três vezes ao dia, mesmo sabendo que não vai encontrar ninguém quer estar sempre bonita e se olha muito no espelho, tem uma técnica muito particular de se vestir e se despir, sempre arruma o cabelo ainda nua, depois as bijuterias e por ultimo as roupas pra se despir primeiro tira a roupa, bijus e cabelo e faz isso ao menos três vezes ao dia.
Já desistiu de ter animais, já teve peixe e gatos, não gosta de cachorros, o peixe morreu ainda na primeira semana o ultimo gato tinha dois anos quando caiu da sacada ao tentar dar um bote numa pomba. Então decidiu ser sozinha mesmo até música parou de ouvir, vendeu a tv e agora pensa em dar fim nos livros e ficar só ela e seus pensamentos.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

dia quente

Parece que ouço o barulho da pele que o sol queima, a cabeça dói e o suor umedece as roupas, sinto o gosto do sal nos lábios e o fim do caminho nunca chega, do outro lado do vale no alto do morro já avisto minha casa. O calor sobe do asfalto e desce do céu, o dia tão azul, a água do lago tão escura e as pernas já bambas.
Os olhos só param de lacrimejar quando entro em casa, a água gelada desce vitoriosa pela garganta seca, vou deixando as roupas espalhadas pelo quarto e, quando nu, deito-me no chão de madeira olhando pro teto, ali adormeço apesar de parecer derreter e escorrer entre os vãos do assoalho.
Quando acordo e me levanto percebo que no chão permanece a forma salgada de meu corpo, já no chuveiro a água gelada provoca arrepios e calafrios até que a temperatura do corpo se iguala a ela, ou seria o contrário? Por um longo tempo não me movo deixando que a água escorregue pelas costas e pela face e se vá para o esgoto levando consigo aquele pó vermelho daquele dia irritantemente amarelo.
O rastro molhado do caminho entre o banheiro e o quarto fala do descaso pela toalha, molhado, me jogo no mesmo chão empoeirado de antes, o ar denso é de difícil acesso para as narinas e para o pulmão, e assim permaneço, como um peixe fora d’água que luta para sobreviver e respirar, cansado de lutar me entrego ao café quente e ao cigarro em brasa.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

AEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE.

terça-feira, dezembro 13, 2005

era só o jeito dele.

Não o comovem essas pequenas alegrias, essas que fazem as pessoas rirem à toa, ultimamente tem se dedicado a músicas tristes e palavras amargas, pensa muito nos seus dois amores, é sim! Ele realmente tem dois amores, não da gargalhadas aquele moço, se preocupa com grandes questões e tem bebido muito.
Vive só mas esta sempre rodeado de pessoas, é! Pessoas: seres humanos sabe, esse tipo de animal que destrói a si e aos outros, seres únicos esses. Gosta de ouvir música alta, de blasfemar, de belas canções - se tristes melhor ainda.
Anda pelas ruas, de preferência quando noite, gosta dos bares pequenos e escuros, ouve conversas alheias e simula conselhos mirabolantes, usa calças risca de giz e às vezes numa combinação estranha, veja só, coloca camisa xadrez, sei lá, mas diz que ta na moda né! Não me agrada muito não, mais enfim, é do gosto dele né. Dia desses o vi desse jeitinho, calça listada e camisa xadrez, sentado num bar encostado no balcão e lia um jornal, pois é, jornal no meio da bagunça do bar, eu mesmo não critico, mas tem gente que acha esquisito.
Não gosto fica falando de pessoa que não conheço, acho que ele tem que ser la do jeito que quer né, eu mesmo tenho minhas esquisitices que pra mim é normal sabe, mas então, esse moço de quem falo, diga-se de passagem: rapaz bem apessoado de jeito de gente fina, de grana, que não faz mal a ninguém, levou uma surra daquelas. Ele tava la com sua revistinha, lendo numa mesa la no bar e uns moço que tavam do lado começaram com umas provocação, e chamaram o moço de viado e tudo só por causa daquele jeito dele, ele nem deu bola pros moço, levantou e foi pra outra mesa, mas não é que eles implicaram com o rapaz e a todo momento davam um jeito de apurrinhá o cara.
Depois de um bom tempo ele pediu sua conta, pagou e foi indo. Eu vi quando cercaram ele e começaram a bate, poxa, eu véio já né, não podia ajuda, eu chamei a polícia mas demoro muito, o rapaz apanho tanto que foi pro hospital de ambulância. E só por causa do jeito dele.

nó na garganta

Londrina ta ficando distante, ai-ai. Esse aperto no peito, esse nó na garganta e essa lágrima que rola suave pela face. Tem horas que é preciso deixar a coluna ereta e respirar fundo, tomar um porre e falar do passado.
Faz calor na jovem cidade e os pelos do corpo ficam arrepiados só de pensar que daqui a pouco não mais vou andar por suas ruas, nada de desbravar morros na busca dos bons e velhos bares, já sinto falta das voltas embriagadas pelos vales e lagos, do inverno londrino e do calor infernal.
Já sinto falta dos encontros prováveis nas noites imprevisíveis, da cerva barata daqueles botecos que só agente sabe o que foi. Nós vamos, mas lá no fundo agente leva um: “quem sabe não acabo parando aqui de novo”.
Tem horas que é preciso respirar fundo, colocar um fone de ouvido e por o som no talo, seja cat power ou ramones, aí você não pensa: só grita e fuma um cigarro atrás do outro e esquece as dores do mundo.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

lembranças

O vento parou de soprar e o ar é tão denso que pesa sobre minhas costas. Volto para casa e não sinto nada, nem desejo de ir nem de ficar, esse sentimento de que as coisas não mudaram. Tenho me enganado esse tempo todo? Que sentimento é esse que sempre me deixa angustiado, sempre falta algo, sempre uma ponta de frustração que me persegue. O sangue corre lento pelo corpo apático, o “pré-sentimento” de que mais uma vez vai ser quase, cansado de ser sempre quase... quase fico feliz com o que é certo, amargo, pois é, me torno cada vez mais amargo.
Os amigos estão indo embora, as faces começam a se apagar da memória, retratos que nunca foram tirados tornam distantes momentos que nuca serão esquecidos, entre nós fica a lembrança do gosto de álcool e tabaco, ainda ecoam aqueles rock’s que nuca mais serão os mesmos, acho que vou mudar o meu jeito de dançar, vou parar de ouvir aqueles discos, não quero mais cantar.
É! Eu sei que é estranho, deveria mesmo ficar feliz, não deveria não, o que me anima é ver meu bem, mas então, tenho que desfazer minha mala e sacudir a areia, ah meus amigos! Como vocês vão me fazer falta. Continuo a passos incertos escorados no vazio tateando o mundo pra ver se acho o caminho. Melodrama de quinta? Não acredito que faça diferença, de onde vem essa tristeza? Não sei, talvez seja só parte da performance.

sábado, novembro 26, 2005

o lado bom das coisas

roendo unhas de frente para o mar.

segunda-feira, novembro 07, 2005

fria curitiba

Dou-me o prazer de um trago apesar da tosse cheia de catarro. Hoje andei pela fria Curitiba, era bem cedo, as ruas ainda vazias, antigas construções habitadas apenas pelas velhas pombas dividindo espaço com as sombrias estátuas com suas expressões de vitória sofrida, carregando em seu fortes ombros o peso do velho sobrado abandonado e das dores do mundo.
Fim de tarde, no céu entre os prédios do velho centro, decadente coração da cidade, um tom estranho de azul entre cinzas nuvens, do nono andar do prédio onde pessoas dividem paredes e mal se falam, ouço os sons do vai-e-vem de carros e vozes de ninguém, o vento gelado desliza pelo meu rosto e braços, nos vidros das construções vejo o reflexos dos néons que anunciam mercadorias e diversões, angústia e desconforto compõem o sentimento de solidão.
Brinco com as fagulhas ao apagar o cigarro no cinzeiro de vidro, do alto da sacada observo lá embaixo, entre as copas das grandes árvores e os pontos amarelados das luzes de mercúrio, pessoas circulam pela praça e nem mais notam a imponência do prédio da Universidade Federal, pelas calçadas das ruas ao redor, entre o fedor de mijo e os mendigos da Europa brasileira, senhores e jovens engravatados aceleram os passos e acompanham senhoras e moças bem alinhadas. A tosse e o nó na garganta me dão a impressão de não pertencer a esse lugar. Tosse. Na verdade não pertenço a lugar algum.

quarta-feira, novembro 02, 2005

pois é

Pois é, enfim, aqui vou.
O mundo inteiro dorme,
E só eu acordado nesse feriado
Manha fria e chuvosa,
Enquanto penso na forca
Meus amigos dormem suas ressacas
Só, e com minha garganta inflamada,
E... não! Não é psicossomático.
É por causa da forca mesmo,
Pego a estrada a noite,
Vou e voluntariamente vou
Exames que tem a ver com a garganta
Não, não é pela inflamação
Tem a ver com a forca mesmo
Espero falar que vou me mudar,
Seja pra fria Curitiba
Ou pra perto do mar.

sábado, outubro 29, 2005

Antropoeta, por uma etnografia poetica dos pensamentos.

É! Realmente não é nada fácil escrever, não fácil construir um bom texto acadêmico, assim como não é fácil redigir um bom texto literário, onde se encontram essas duas artes? Será que é possível dizer que um texto científico é uma obra de arte? Até onde um texto acadêmico pode ir sem perder sua objetividade (queiram ou não, fundamental na ciência)? E a literatura? Até onde podemos dizer que é uma descrição e análise da realidade? Muitas vezes ela não é tão objetiva quanto textos científicos? São algumas questões que constantemente me coloco e que poucas respostas eu tenho, talvez alguém possa me responder, tenho apenas algumas considerações a respeito, vagas porém.
Uma vez um amigo disse que todo Antropólogo é um artista frustrado, eis a ciência a que me entrego de corpo e alma, a Antropologia. Voltemos a questão dos limites entre a ciência e a literatura. A etnografia, característica do trabalho antropológico, acredito que esta aí, na etnografia, ou a maneira pela qual descrevemos nosso “objeto” de pesquisa, o espaço em que temos a liberdade de nos aproximarmos da literatura, não da ficção é preciso ficar claro, uma literatura realista portanto.
É nesse universo que nos valemos dos mais diversos recursos literários, ora se devemos fazer uma “descrição densa”, para usar um termo de Geertz (me permitam deixar um pouco de lado referencias mais detalhadas, afinal esse não pretende ser um texto acadêmico), temos então que buscar aquilo que não está dado a priori, olhar para o que dizem os gestos, perceber o que está nas entrelinhas do real. E a literatura? Ela não busca, em certa medida, dizer sobre esses espaços, procura falar sobre algo e levar o leitor a imaginar os mais tênues detalhes, e para isso muitas vezes ( me permitam também certas generalizações para a comparação ) se valem de analogias que procuram mostrar ao leitor as diversas formas que algo pode ser visto ou pensado!? É uma exclamação interrogativa que faço.
Talvez, penso eu, cá com meus botões (termo roubado de Vivian), esteja aí, nas analogias, nas comparações, o universo compartilhado pela antropologia (e não só ela) e literatura, lembro do bom e velho Levi-Strauss com suas piras (porque, cá entre nós, Levi-Strauss é pirado) e analogias das estruturas musicais com as da mente, ora pra nos explicar e para situar o leitor, além dos conceitos, ele normalmente, e não só ele, se vale de tantas analogias, que parece absurdas em vários momentos (e não são), e de tantos recursos, e estes últimos, acredito ser possível dizer, são nada mais que recursos literários.
Ou seja, na ciência, você não pode criar uma história, inventar um dado, mas você pode falar sobre ele de infinitas maneiras, os conceitos dão a base argumentativa e a escrita fornece o recurso explicativo. Aí eu me pergunto. Poderia eu fazer uma etnografia poética? Acredito que sim. Apesar dos limites que nos é imposto na academia, muitas vezes demasiados rigorosos, temos liberdade para colocarmos a nossa voz e a nossa subjetividade, é preciso tomar cuidado para não cair num niilismo que para ciência não serve, mas o investigador pode se apresentar como lhe for conveniente e justificável, quando escrevo para o blog, penso que estou fazendo uma etnografia poética dos meus pensamentos, por que não fazer uma etnografia poética do pensamento dos outros, das atitudes e ações dos outros, quando procuro entrar no universo da pesquisa ou do pesquisado, por que não poderia descrevê-los através da poesia? Imagine uma etnografia toda feita em poesia, não seria fantástico? São alguns devaneios que merecem maiores reflexões, gostaria de ajuda para fazê-lo, mas alguma coisa devemos ousar na busca de uma ciência mais aberta a diálogos com outras fontes de conhecimentos. Falar sobre as realidades a que nos enfrentamos é sim uma arte, a arte de descrever e analisar fatos que exige muito, que muitas vezes leva à exaustão, isso pode ser feito das diversas formas que a escrita permite. Não sei, portanto, se ao me pretender Antropólogo o faço por uma frustração artística, claro que gostaria de ser músico, escritor, poeta, ator, pintor e etc ..., mas por que não posso ser um Antropoeta?

quinta-feira, outubro 27, 2005

dois pra lá, dois pra cá.

Na topo das copas das árvores observo a ação do vento.
O ballet insistente das folhas me lembram Elis,
e dizem: dois pra lá, dois pra cá.
E eu, mesmo sem uísque com guaraná,
fico aqui, sentado e sóbrio a observar.
Sinto a brisa que desliza pela pele.
E assim eu fico por horas a contemplar,
acendo um cigarro, e vejo a fumaça que vai:
dois pra lá, dois pra cá.
Sinto vontade dançar,
danço com o vento,
com as folhas
e com a fumaça.
Dois pra lá, dois pra cá.

quarta-feira, outubro 26, 2005

pessoa de gostos simples

A barba já se faz longa,
Pois é! Sinal do tempo que passa.
Lá se vai a existência esvaindo por entre os dedos,
Acho que eu não quero viver no mar.
Não! Ainda prefiro o asfalto ao invés da areia.
Gosto do calor também,
Gosto de observar o vapor que levanta na rua
Depois da chuva de um dia abafado,
Sou pessoa de gostos simples,
Acho bom uma cervejinha no fim do dia,
Se for no bar do Seu Joaquim, melhor ainda.
Podia rolar um sambinha também, mas não rola.
Tudo bem. Gosto também do silêncio,
Ou de ouvir trechos dos papos ao redor,
Sou pessoa de gostos simples,
Sou chegado a uma cervejinha e a um cigarrinho,
E é muito bom quando é no fim do dia.
Sou pessoa de gostos simples.

como se fosse fácil

Como se fosse fácil. Ela me olha como se fosse fácil. Que que eu digo? Isso acontece! Não. É melhor dizer: - isso nunca me aconteceu antes! É melhor acender um cigarro. Levanto pra pegar um cigarro na calça que havia ficado pelo meio do quarto. Ela diz: - deita aqui comigo. Como se fosse fácil. Ela deve ta puta depois de toda essa expectativa, agora isso, que será que ela ta pensando? Será que eu pergunto? Como que eu vou perguntar isso? Então, que cê pensa disso? Não! Não tem como perguntar assim. Encontro o cigarro, me sento na cama, um longo trago, respiro fundo mais de 4.700 substâncias tóxicas. Como que se conversa sobre isso? Aí que ta né. Queria saber o que as garotas pensam nessas horas, sempre tem o discursinho de que não faz mal, que não sei o que, mais eu não acredito nisso não. Será? Hei! Olha pra mim! Fico meio constrangido mas olho, ela pede um trago e quebra um pouco o gelo, começa a falar sobre não sei o que. Ta querendo mudar de assunto! Penso enquanto ela fala sobre alguma coisa. Putz cara! Por que comigo? Que merda! Hei! Deita aqui! Alá, la vem ela com essa história, essas mina só querem transar, nem respeitam um momento de sofrimento, e depois falam que os homens são insensíveis. Acabo me deitando, ela me da alguns beijos pelo rosto, pelo pescoço. – desencana, não fica pensando nisso! Ah, tá, como se fosse fácil, elas acham que simples assim, ah não fica pensando nisso. Fico lá pensando e olhando pro teto enquanto ela dorme, acabo dormindo. Acordo de pau duro, penso; nossa tenho que aproveitar, começo a beijá-la, meio dormindo ela me beija, agente vai se encostando, ela acaba acordando, enfio meu pau, difícil, fico por cima, muito excitado, acabo gozando e ela mal acordou. O que foi? Ela pergunta. Putz, gozei meu! Falo meio, meio não, bastante constrangido. Ela não fala nada, mas faz uma cara de – PUTZ! Deito-me frustrado ao seu lado, fico pensando numa desculpa qualquer. Ah, desencana. Deixa ela pensar o que quiser. Ela deve ta pensando: - o cara me acorda e ainda por cima só ele goza. Fico pensando que o melhor mesmo é ir embora, do uma desculpa qualquer, falo que tenho que ir, ela fala que tudo bem, coloco minha roupa em silêncio, saio, quando chego na rua acendo um cigarro, vou caminhando para casa, pensando que ela deve achar que é muito fácil, que eu fui lá, gozei, levantei e fui embora, mal sabe ela o quanto isso é difícil.

terça-feira, outubro 25, 2005

meninos não choram

Os aromas se espalham pela casa. É hora do almoço.
Na tv, as costumeiras mortes do programa policial,
jovens pobres, quase sempre negros ou mulatos,
se matam na guerra infernal e quase oculta, a polícia bruta.
Dos desejos de consumo, do querer o tênis da vez,
da necessidade de ser o que tem que ser:
homem que é homem não foge à briga,
não tem medo e nem afina,
não gosta dessas coisas de poesia,
ou trabalha ou se vira.
Dos barracos e quebradas, de pó e de pedras,
de socos e armas vivem nossos jovens homens.
Sinto vergonha de comer esse belo bife.
E nem posso chorar.

segunda-feira, outubro 24, 2005

quase sempre

Instantes de fuga dos compromissos, os pensamentos que se postam
Livres.
De lado: as classificações, métodos, análises, discursos, bravatas,
Palavras.
No cerne: inconstâncias, emoções, dramas, comédias,
Sensações.
Ora de descanso e delírios, fruto do produtivo
Ócio.
Transito mental complicado, me vejo
Atrasado.
Azia e ânsias, resultado dos maus
Hábitos.
Tenso e ansioso, tranqüilo no
Rosto.
Quem me entrega é o
Cinzeiro.
Quase sempre
Cheio.

domingo, outubro 23, 2005

eu!?

Tragos longos e vorazes.
Constantes e seguidos.
Angústias e desejos.
Planos e consolos.

Projetos inconstantes.
Delírios e vontades.
Indeterminado e volúvel.
Imprevistos prováveis.

No bar, olhando pro copo.
No quarto, olhando pro teto.
Rindo, escondendo a tristeza.
Chorando, disfarçando a frieza.

Assim sou!?
Duplo que se olha no espelho.
Vaidade.
Sei não!?

o coreto ja era!

Ontem andava de bicicleta e pela primeira vez me dei conta, ao passar pelo calçadão de Londrina, que o Coreto foi destruído, é meus amigos, Londrina agora não tem mais um pedacinho da história destruído por mais projeto sanitarista, por que sanitarista?
Porque a justificativa de tirar o bonitinho coreto é que os comerciantes ali do começo do calçadão reclamavam que alguns “mendigos” estavam dormindo no local, então simplesmente a prefeitura foi lá e retirou o coreto, simples assim. Ora, a praça não é do povo, e mendigos não são o povo, e não se pensa num modo de resolver a questão. Tá, mas e agora? E se os “mendigos” começarem a dormir nas marquises das lojas? Vão derrubar as lojas também? Acho que não né. Pois é, talvez eles coloquem uns arames farpados durante a noite, cercas elétricas, o que não pode é gente dormindo ali, podem dormir na puta que pariu, mas ali não, podem morrer de frio, ficar na chuva, cagar na rua, desde que não atrapalhem seus negócios. Meu, e quem vai deixar de comprar numa daquelas lojas, porque durante a noite alguns mendigos dormem ali, o mais incrível é que eu nunca vi ninguém dormir ali, e olha que sempre passo por ali a noite, e mais ainda durante o dia, mas ta, eles dormiam, e aí?
A questão central é que o poder público não consultou ninguém para efetuar a obra que beneficia, se é que beneficia, apenas meia dúzia de comerciantes, o calçadão perde mais um pouco de seu encanto, perde mais um pouco de sua história, aqui em Londrina nunca se pensa no patrimônio arquitetônico da cidade. O processo de revitalização das praças do centro da cidade é lento, só se tem rapidez quando é pra tirar hippies ou artesãos dos lugares em que fazem seus pontos, como no caso, quem é de Londrina lembra, da praça la do lado da catedral, quando foram expulsos os artesãos que a décadas vendiam seus produtos ali, aliás uma mão na roda, quem já foi no espaço para onde eles foram transferidos? Eu nem sei onde fica.
Parece que quem ta mandando e desmandando nessa revitalização é a ACIL (associação comercial e industrial de Londrina), só se observam os interesses dos grandes comerciantes e nada mais. È uma pena que não temos mais um coreto em nossa cidade, quem viu viu, quem não viu já era.

sábado, outubro 22, 2005

fútil furto

Deitada na cama, a insônia pode ser percebida pelas fundas olheiras, com o olhar fixo no abajur acende e apaga a luz no ritmo de seu pulso: lento. Sem desviar o olhar vai percebendo a claridade do céu, que até então negro se faz cinza, ouve os barulhos dos primeiros motores, escuta os primeiros sons de vida que começam a pulsar pelo velho centro da metrópole.
Os camelôs vão se amontoando pela calçada na frente da porta de entrada de seu prédio, a descarga do apartamento do andar de cima, o sexo no quarto ao lado, os berros da criança chamando pela mãe no outro e as vozes que circulam, cada vez mais, pela rua, lhe atormentam os sentidos. Levanta-se, vai ao banheiro, se olha no espelho, abre uma caixa de sapatos, repleta de medicamentos, que conserva cuidadosamente protegida da umidade. Em sua singela farmácia observam-se; ante depressivos, calmantes, anfetaminas, vitaminas, analgésicos... . De um frasco tira duas aspirinas, as atira na boca, curva-se, abre a torneira e toma dois bons goles de água, se vira para o espelho, com uma das mãos espalha um pouco de água pelo rosto e fica observando as gotas deslizando pelo seu rosto, alcançam o pescoço e descansam na camiseta azul e em seu colo.
Volta ao quarto, caminha meio que cambaleando até a janela: cega pela claridade tenta arrumar a cortina-de-lençol, menos claro, deita-se novamente. O corpo começa a doer pedindo por algum movimento, se revira pela cama tentando uma posição menos desconfortável, descansa a cabeça sobre a mão, no pulso vê a marca e lembra de sua tentativa frustrada. A manhã vai se aproximando da tarde, o sol do centro do céu e a rua do caos. O cheiro de comida espalha pelos corredores se misturam entre as quitinetes do quase cortiço onde pessoas sobrevivem entre brigas e gargalhadas.
Levanta-se bruscamente, corre em direção ao banheiro e vomita no vaso bordô, senta-se no gelado azulejo azul-calcinha, e respira profundamente como que para não gritar, pensa no porque de nunca gritar quando, acima de tudo, merece gritar, não encontra nenhuma resposta e também não grita. Respira mais uma vez, conserva agora um semblante de desencanto misturado a desânimo, levanta-se mais calma, vai até a pia, lava a boca, escova os dentes, vai até o armário, escolhe uma roupa, se veste e sai.
Desce as escada, em forma de caracol, meio zonza pelo efeito da rápida descida ou dos vários remédios tomados nas últimas vinte e quatro horas. Se vê lançada à rua, território do impessoal, mal tem tempo de desviar das pessoas que dividem a calçada de um metro e meio de largura, começa a perder o fôlego e, por puro impulso, volta rapidamente para a entrada de seu prédio. Parada, olha para frente e vê cruzando o seu campo de visão limitado pela porta de dois de altura por um e meio de largura. O transito de formas e rostos que cruzam de um lado a outro, no fundo: os ônibus e carros que, freneticamente, circulam pelas vias como glóbulos vermelhos e brancos pelas veias, como cocaína pelo sangue, a ultima imagem lhe faz vomitar novamente na entrada do prédio.
Tenta sair e não consegue, o cheiro começa a lhe embrulhar o estomago novamente, sem pensar entra no fluxo das pessoas e sem perceber já estava no ritmo desvairado do centro da cidade. Entra no primeiro super-mercado que encontra, vai pequenas coisas pelas prateleiras, o caixa sem fila, a caixa cobra o suco e o pão, volta para a rua tira o chocolate da bolsa, come, e sente a glicose no organismo, um sorriso com uma ponta de cinismo entrega o pequeno prazer de um fútil furto.

sem medo de ser brega

Ainda assim, meio sem saber
O dia que passa meio que querendo chover,
A cabeça sem se dar conta, o corpo meio quê.
Os sons que ouço meio sem querer,
As coisas que falo meio sem perceber,
O que me falta não sei dizer.
O que me cabe agora é só escrever.
Ainda assim, meio sem saber,
Sem medo de ser brega,
De chorar a tua espera,
E de a ti dizer:
Que a saudade me consome.
O que me ocupa não são só rimas.
e como diz uma tal Pessoa,
viver não é preciso.
Navegar é preciso.
Ter você é preciso.

pra minha queridíssima

Veja bem, meu bem
Sinto te informar que arranjei alguém
pra me confortar.
Este alguém está quando você sai
E eu só posso crer, pois sem você
nestes braços tais.
Veja bem, amor.
Onde está você?
Somos no papel, mas não no viver.
Viajar sem mim,
me deixar assim.
Tive que arranjar alguém pra passar os dias ruins.
Enquanto isso, navegando vou sem paz.
Sem ter um porto, quase morto, sem um cais.
E eu nunca vou te esquecer amor,
Mas a solidão deixa o coração neste leva e traz.
Veja bem além destes fatos vis.
Saiba, traições são bem mais sutis.
Se eu te troquei não foi por maldade.
Amor, veja bem, arranjei alguém
chamado saudade.
(los hermanos, marcelo Camelo)

quinta-feira, outubro 20, 2005

a morte é amarela


Deleitam-se ao vento,
libertas, dançam em par.
A vida que esvai num lento momento
procurando na morte seu eterno lugar.
Jogam-se sem medo do devir,
na queda suave o princípio do fim,
o gozo da viagem, o orgasmo por vir.
Morte a produzir encantos,
no molhado asfalto sem sequer frio sentir,
vão definhando espalhadas pelos cantos,
o amarelo da lugar a putrefação,
desprezadas em seus últimos devaneios.
Sua beleza agora mórbida,
me toma os pensamentos, encanto póstumo
só o sinto agora.

segunda-feira, outubro 17, 2005

merda.

E consciência que não me deixa,
Ta bem, ta bem, eu volto,
Então, a ciência ta aqui do lado me chamando,
Tenho que ir.

sem título, to com preguiça de inventar

To aqui blog(ando),
tomando cafés e fumando.
Podem até dizer:
- ah! ele ta vadiando.
A esses eu digo:
- por quem me tomas,
queria o que?
Só falta me dizer que queria que eu tivesse trabalhando,
era só o que faltava!
Mais é isso mesmo que eu espero,
nesse mundo perverso
fantasias é infantilidade,
Poesia é perfumaria.
Então meus caros, sou criança e boticário.

de certeza mesmo, só a dúvida

Acordo,
O dia ainda escuro,
não durmo,
a noite já é clara
nem penso
logo a certeza me toma,
cheio de dúvidas
das verdades que proclamam
se certo estou, errado me tomo,
errado então, continuo meio torto,
assim vou levando,
de problema em problema
pontuo minhas verdades,
de certeza em certeza
proclamo minhas vaidades,
se reclamo
não é de material necessidades
é sim de vontades,
mais de alma
que de corpo,
mais de dúvidas que de verdades.

sem graça o café sem voce ao lado


Tranqüilo, pero
Cansado de
Nada entender,
De frases que surgem,
E falam, falam, falam...
A dor que na cabeça é frontal,
Ansioso por exames que virão.
De ciência querem saber
Ora, se de amor me perguntassem
Diria eu: - Fer.
Diria que ao seu lado
Gosto mais
do cigarro,
do café docemente amargo,
do calor
dos corpos suados
dos cabelos desalinhados
do céu, seja de brigadeiro
ou nublado,
vendo o iluminado,
ou apenas entediado.

quinta-feira, outubro 13, 2005

novembro, mês das forcas


Um tanto quanto
Estático,
Mais de mente que de corpo.
O corpo
Aquele que vaga insistente
Pela casa, pela rua
Acordado tem forças apenas pra comprar cigarro
Nesse esforço inútil pra ver se sua mente o acompanha em um trago.
Ela que se estapeia com a ciência abre as pernas para a poesia
Ela que fica lá gritando para o corpo tolo
CERVEJA!!!! CIGARRO!!!! PORRA TA CALOR!!!!!VAI PRO BAR!!!!
Entra em cena a consciência,
Bar o que meu caro
Tem forca com data marcada
Café e cigarro pode
Mais sai dessa merda de blog,
Volta [sem]protexto que o tempo corre.

terça-feira, outubro 11, 2005

sofá



(desenho de alisson)

ela veste negro

O azul
que da lugar ao cinza
que cede os espaços sobre minha cabeça ao negro,
o abafado
que da lugar à brisa
que é empurrada pelo vento,
o seco
que da lugar ao úmido
que sede às pancadas
que de cima impõem-se ao resto,
de pardais a pombas
as aves alucinadas escorregam entre as correntes,
as árvores que envergam e ajoelham-se aos pés dela,
vestida de negro,
que chega sem convite ou permissão,
bem vinda minha cara
tempestade.

breve, mas nem tanto

Corto a garganta de minha arrogância,
Jorra sangue,
Não sei se sujo ou sublime
Não sei se é falsa a modéstia,
Ou se verdadeira a inveja,
Não conte a ninguém
Que de humilde só tenho a cara de bobo
Mas que de bobo mesmo
Só sou se perto de ti.

segunda-feira, outubro 10, 2005


esse aí é um dos trampos do alisson (http://ubbi.br.fotolog.net/coffeemachine) companheiro de R.U., cafés e rock.

Acorda com a sensação de que ainda tem muito a dormir, fica na cama, liga o rádio, faz calor, é possível ouvir os estalos da telha de fibra que torna o quarto, no fundo da casa, ainda mais insuportável, os poros dilatados expulsam a água do corpo, sente o gosto salgado nos lábios, levanta-se, mais porque não dava pra ficar naquele inferno do que por qualquer outra coisa.
No banheiro, mata uma barata, a pasta acabou, o papel também, o chuveiro que quase não derrama água alguma lhe ajuda um pouco, vai até a geladeira, um pouco de água, resolve preparar um café, senta-se na mesa ao lado da cafeteira e, ao som de Ramones, fica contemplando seu objeto preferido na casa.

breve

corto a garganta da minha arrogância,
jorra sangue sujo.

quando a água desce doce

A garganta arde com o trago
do cigarro barato
que engana o tempo e me faz esquecer que é tarde,
o gole do conhaque
queima o corpo
que se escora na parede,
o pé que não encontra o chão,
o coração pálido,
o vômito que jorra na sarjeta
leva junto a sanidade e a pasmaceira,
a água desce doce,
o outro no espelho
pergunta: por que?
Sem resposta,
Volta a beber.

coisas, pessoas e etc

as luzes
vão ficando opacas,
as coisas
ficando longe,
palpebras pesadas,
o escuro
cada vez mais
constante,
os carros
esporádicos,
as pessoas
inexistentes,
a raiva?
você engole.
seca.

o poeta e o cientista vermelho.


olha só! nosso amiguinho poeta frog quase sendo devorado pelo caranguejo cientista (que só anda de lado), pula frog! pula meu amiguinho!quem sabe voce não foge das garras desse cientista vermelho.

sábado, outubro 08, 2005

velho sapato II

E aquele aperto no peito que ela sentia parecia nunca mais ter fim, anda pelo apartamento do oitavo andar, pega o telefone disca os números, automatizada. Atende! Atende viado! O telefone toca do outro lado da linha, chama, chama...deixa pra lá. Preciso me depilar, pensa em voz alta. Volta para o sofá, liga o som, cat power, não aí é pra morrer, liga a tv, Fátima Bernardes falando do criança esperança, isso sim que é pra morrer, desliga. Fica no silêncio, as luzes apagadas. Adoro aquele velho sapato, bem que ele podia aparecer! Da cozinha vinha aquele insistente som daquela infernal goteira, vai até a torneira, antes de apertá-la, observa o pingo produzindo ondas no copo transbordando aquela água misturada a restos oleosos, fecha com força e a goteira jaz.
Vai até o banheiro, começa a se despir, se olha no espelho, cutuca um ser qualquer que brota em sua face, abre o chuveiro, espera um pouco a água aquecer, olha para o ralo e vê os instantes se perderem em um abismo-tubulado, entra em baixo das milhares de gotas que lhe umedecem a pele, os cabelos vermelho-desbotado, vira o rosto em direção à ducha, sem ar se vira, no terceiro toque ela escuta o interfone, corre pelo apartamento, nua, meio que escorregando, atende ofegante, oi! Ah, sobe aí.
- oi.
- oi, entra.
- como ta?
- indo, e você?
- to bem! Vim vê se você ta precisando de alguma coisa, você não tem ido na aula.
Que saco, pra que que existe telefone, e o que que esse cara tem a vê, se eu vo ou não naquela porra de aula.
- não to precisando de nada não!
- ah, sei, se ta doente?
- não!
- que legal a vista daqui né!
Ele vai em direção à sacada. Que saco esse cara deve ta querendo me chaveca, idiota! Nunca veio aqui, nem gosto dele, boy babaca, e agora essa história de sacada, tomara que caia! Ela vai junto, os dois param por um instante.
- então acho que eu vo dormir, amanha se eu for na aula agente se fala.
- vê se aparece, vai acaba estorando...
- então tá, até amanha.
Fecha a porta mesmo antes da resposta. Idiota! Apaga as luzes vai para o quarto, deita no escuro, e fica imaginando o quanto seria bom se aqueles velhos sapatos voltassem a dormir embaixo de sua cama.

Ctrl + B

As latas vão se espalhando pela mesa
A cinza se solta, se desmancha no teclado
Meio ébrio
O odor do mijo do cão invade o quarto
Sexta, 02:03 da madrugada
Pela janela algumas luzes
Lares, bares e bordéis
Nancy Sinatra na vitrola
A leve dor nas costas denuncia as horas de ciência e literatura
O cinzeiro cheio fala do velho vício e futuros problemas
O bocejo entrega o sono
E o chuvisco que cai rompe o silêncio lá fora
Meus dedos dançam com as teclas
Os símbolos se transformam em palavras que você,
Meu(inha) caro(a) leitor(a),
Agora dá significado.
Ctrl + B
Todos estamos salvos!

velho sapato

Andava, pensando naquele aperto que sente no peito, os passos ecoando pela rua deserta era o único som que se ouvia na noite quente e úmida, chega ao ponto de ônibus, espera, acende um cigarro, o barulho da brasa que consome o papel atrai seu pensamento, ao fundo, outros passos se aproximam vagarosamente, não se da ao trabalho de olhar, percebe o corpo passando em suas costas e se distanciando, fica olhando para a fumaça do cigarro que dança como um fio de água que escorre tortuosa entre as pedras encostadas ao meio fio. A chuva que a pouco cessara ainda produzia alguns murmúrios nas folhas das árvores, o asfalto ainda brilhava e os pneus dos carros ainda levantavam uma névoa ao passar.
O ônibus se aproxima, ele solta o cigarro e fica observando até o momento que alcança o chão, ouve o som da brasa que se choca à água misturado ao barulho do motor que se aproxima, pisa na bituca, esfrega contra a calçada e ainda vê, antes dos degraus do ônibus que a porta aberta já permitia visualizar, a espuma daquela ponta de cigarro absorvendo aquele líquido que ia, aos poucos, sendo consumido pelo cimento.
Entra no coletivo, o piso metálico está escorregadio, ou seria a sola do seu velho sapato que a pouco esmagara aquela bituca? Diz boa noite ao cobrador, passa a roleta, observa rapidamente as poucas figuras tristes sentadas em seus mundos, procura um lugar para si, a vista pela janela mistura a visão das ruas vazias do itinerário com o reflexo do seu rosto, chega ao terminal, desce do ônibus, caminha vagarosamente até a saída.
Andando pelo centro velho da jovem cidade pensa no que vai dizer ao chegar, como de costume caminha olhando para baixo, observa as peripécias das gotas que são atiradas pelo movimento dos pés, na praça, ao lado da catedral, michês fazem o ponto à espera do próximo distinto senhor, chefe de família e pai de dois lindos filhos de olhos azuis, continua...uma fina garoa começa a cair, fecha o moletom, coloca o capuz, acende um cigarro, traga e pensa no que vai dizer.
Para na frente do prédio, olha para o interfone, desiste! Não! Vai apertar, a chuva começa a ficar mais forte, atravessa a rua e se abriga em baixo de um toldo, olha para o oitavo andar, luzes acesas, por instante pensa ter visto algum movimento, na sacada aparece um casal, conversam por alguns instantes e voltam, uma a uma as luzes começam a se apagar, exceto a do segundo quarto que se mantém por alguns minutos e então é apagada. O mundo cai a seu redor, a chuva cai a seu redor, se levanta agressivamente e acelerado toma um caminho qualquer e anda, não pensa, apenas anda. As peripécias das gotas atiradas pelo seu velho sapato, que até então lhe divertiam, são completamente abandonadas a sua própria sorte.

morte

Uma mosca sentou em minha mão, já não havia mais pulso, a pele perdera a umidade e consistência, no canto do olho, sem brilho, uma lágrima seca de sangue, da boca aberta sem uma gota de saliva podia-se ouvir os vermes se alimentando entre os ecos dos últimos gemidos de horas atrás, talvez dias, anos, séculos... sentado ao lado, me observo atônito, fico olhando meu corpo seco que parece desmanchar, sinto o gosto do viscoso líquido vermelho que a terra sugou até a última gota, como um vampiro.

a ressaca que antecede a ressaca


Os músculos doem, as pernas cansadas, resolvo levantar da cama, olho pro relógio já são cinco da tarde, abro a janela do quarto e a luz me atropela, quando consigo olhar para o céu vejo uma mistura de azul a tons prateados, cinza e lilás, nuvens carregadas parecem anunciar uma chuva, sabe aqueles dias que nem parecem existir? Aqueles dias que você não quer existir..., imagino meus olhos inchados, mal consigo abri-los, procuro um cigarro, encontro um nos bolsos da calça que está jogada no chão tão amassada quanto a minha cara nesse bucólico sábado de ressaca.
Risco o fósforo, o cheiro de pólvora e o primeiro trago do dia, o gosto do fumo misturado ao azedo de cerveja da noite anterior me embrulha o estômago, o primeiro trago desce seco pela garganta, café, porra um café! Vou até a cozinha tentando evitar encontrar outro ser vivo pela casa, ia ser bom não precisar ver nem falar com ninguém, chego com sucesso até a garrafa térmica que ainda mantém um café morno feito pela manhã - as pessoas acordam cedo, eu acho isso incrível, um dia eu vou conseguir. Como se vive pela manhã? A tempos que eu não faço essas coisas a não ser voltando pra casa de alguma noite eterna, mas isso eu nem considero manhã, é no máximo um fim de balada - e eu nunca gostei tanto de um café como desse, mesmo morno.
Deito-me na cama, fico olhando pro teto tentando não pensar em nada, a melancolia vai tomando conta de mim assim como a noite vai tomando conta do dia, o céu agora tem tons avermelhados como fogo, as primeiras estrelas começam a surgir, volto para a janela os últimos raios de sol ainda se refletem nos prédios do centro, vai ser uma noite quente a desse sábado, volto a me deitar.
Faz calor, milhares de gotículas de suor com cheiro de álcool se formam pelo meu corpo, penso em um banho gelado que acaba sendo morno, como sempre, penso em fazer algo fora da rotina mais acabo me repetindo. Não... não... hoje eu não vou sair não, vou ficar em casa, aí eu estudo, fico lá, não sei, ouço um som, que lenda. Acabo colocando o mesmo tênis preto a mesma camiseta verde (verde rock), faço o mesmo caminho pro mesmo bar, a mesma cerveja, os mesmos tiozões bêbados, acendo o mesmo cigarro de sempre, o que muda é se eu vou ficar no balcão que é limpo de cinco em cinco minutos com um pano encardido e fétido, ou se em uma das mesas, não menos sacanas.
Saio do banho, os prédios agora se transformaram em milhares de focos de pequenas luzes, sinto a vida pulsar novamente em meu corpo, a rua parece me chamar, resisto bravamente até o telefone tocar e uma voz divertida me dizer: - tem festa.
Às cinco e meia de sábado (domingo, é que cinco da madruga não pode ser considerado outro dia né meu) aqui estou, cansado, mas de alma lavada, assim é o rock, dancei como se o mundo nem estivesse. Em casa, o último cigarro antes de dormir, a fumaça dança ao som de los hermanos, diverte-se como a pouco eu fazia, trago, a brasa esquenta os meus dedos, quente... como aquela sala estava quente! Dançando esqueço do cansaço, o corpo parece ter vontade própria, o suor me toma por inteiro, escorre pelo rosto alcança a boca, sinto o sal, me espanto com a idéia de que ainda posso me divertir, simplesmente, deixar-me levar como se não houvesse aqueles corpos se esbarrando uns nos outros, como se não houvesse mais nada no mundo além daquele lugar apertado, abafado e tomado pela música, o espaço me pertence durante o tempo daqueles acordes.
Parado olhando pra lugar algum, lembro-me que festas assim eram muito mais freqüentes na minha vida, cada vez mais eu me recolho a um universo particular, a pequenas ações sistemáticas e repetitivas, manias e paranóias, angústias e um cansaço sem razão, canso de mim com uma facilidade incrível.
O dia começa a clarear, da janela do quarto vejo um motoqueiro passando na rua lançando jornais, alguns cachorros latem e outros já se acostumaram com a figura e nem lhe dão mais atenção, ele some entre as casas, acendo um cigarro a fumaça irrita meus olhos, sem sono recomeço a beber um resto de conhaque barato, dez minutos, acabou a bebida, acabaram os cigarros, as pálpebras vão ficando cada vez mais pesadas, deito-me, fecho os olhos, a cama gira pelo quarto enquanto o estomago gela, abro os olhos e me sento rapidamente, que bosta! Detesto quando isso acontece! Levanto, vou até a cozinha esbarrando pelos móveis, bebo água, o dia já está claro e é preciso dormir.
Alguém bate na porta do quarto, entra e diz que vai ter um almoço na casa de não sei quem, falo meio sonâmbulo que não vou. Acordo por volta das duas não tem ninguém em casa, acho estranho, depois lembro de alguma coisa, mas enfim a cabeça dói demais pra pensar em qualquer coisa que não seja café e água.
Lembro-me que uma hora ou outra eu vou ter que comer alguma coisa, tenho me alimentado muito mal, perdi dois quilos no último mês, dois quilos pra um magrelo é muita coisa, meus ossos e veias começam a saltar, tenho fumado compulsivamente, talvez porque quando tenho um cigarro às mãos, fico com a sensação de estar fazendo alguma coisa, sabe, olhando pro teto mais fumando um cigarro, puxa o cigarro do maço, segura por um instante de contemplação, acende, um trago, quando há silêncio gosto de ouvir a brasa se alimentando do papel, sopro e fico olhando a fumaça tentando enxergar alguma imagem até que ela se dilua no vento ou no ar. Tenho uma sensação clara de que a vida vai esvaecendo e eu pouco fazendo para...não estar de ressaca.

quinta-feira, outubro 06, 2005

frog


Lá se vai mais um cigarro! E o sono! Meu cinzeiro que transborda câncer, as mãos que flutuam pelo teclado à espera de uma frase, rolling stones, a lembrança de um dia de criança, o copo de água vazio e aquele olhar atônito a espera de um espasmo, tudo isso quem observa é o sapinho de borracha que mora no meu quarto.

quarta-feira, outubro 05, 2005

então é assim o fundo do poço!

Hoje é quinta-feira, desde domingo que eu digo: - vou começar a viver amanhã. Segunda é uma péssima pedida pra se começar qualquer coisa, quanto mais a viver!
- Amanhã eu falo com ela, resolvo todos aqueles afetos que me fazem beirar ao surto todos os dias!
Chego, primeira pessoa que vejo. Ela caminha em minha direção, segura, veste amarelo, linda. Um abraço carinhoso, é! Só carinhoso. Seguro a ar, solto, como se fosse mudar aquilo que eu já sabia desde o primeiro beijo. Nada pode ser tão perfeito assim, não existe a mulher da sua vida, não se pode gostar tanto de um beijo, não se pode gostar tanto de alguém sem pagar com dor e lágrimas.
O precipício! Me jogo, o corpo que sabe, vai deixar de ser, a alma que vaga imprecisa nos olhos arregalados quando surpresa, o sorriso que ilumina seu rosto e gela meu estomago. A consciência cega me impõe o bar, o balcão, o copo, sair de si é a melhor fuga. Inconseqüente!
O fundo deve estar perto, na queda não há tempo nem espaço, como quando se dança alucinado, o que sobra só aparece no fim do último acorde. O que sobrar de mim só vou saber quando sua voz não ecoar mais no vazio que me consome. O dia quente, longo, os instantes escorrem pelo meu corpo, salgados. Compulsivo, me prendo a café e delírios, perdido mas sem me preocupar.
Entro no bar, cigarro e cerveja. A noite acaba, indo pra casa, andando sozinho, de volta a rotina, os bons amigos, café e cigarros, agüentando a burocracia e esperando o relógio completar seus ciclos.
Bato no chão, enfim o fundo! A dor quase insuportável, me arrasto para o primeiro ponto claro, me encolho, lambo as feridas e choro, choro, choro...até ficar sem ar, desmaio. Durmo por horas e horas. Acordo, sinto uma mistura de calma e inquietude, quero andar. Caminho sem rumo, chapado, tenho desejos improváveis e saudades. Continuo sem me importar, me entrego ao sentir, para os covardes desejo a mediocridade de uma vida pronta, perdida no previsível. Prefiro minha solidão e minha calma.

terça-feira, outubro 04, 2005

a luz suave

A luz suave, a música pesada
Sinto o gosto do álcool, os olhos ardem com a fumaça,
A boca morde o ar,
Os dentes travam,
Mil vozes sussurram no meu ouvido,
Passo inserto se escora no vazio,
O olho no olho, a boca se abre, o instante se torna eterno,
Os lábios se tocam, as línguas, as línguas,
Ansioso, os corpos se chocam, se conhecem,
A língua deixa a boca, viaja,
Pescoço, ombros, peitos,
O gemido preenche o ar,
A língua desce...barriga, buceta,
O cheiro do sexo, os corpos nus, suados
As mãos se apertam,
A penetração,
O calor,
Os gemidos,
Movimentos suaves, agressivos, fortes, leves,
As unhas riscam a pele, as pernas envolvem o corpo,
A boca procura a boca,
A respiração intensa,
Os pelos arrepiados,
O corpo inteiro formiga,
A angústia, o alívio,
O gozo.

tentando voltar

os olhos pesam, continuo caminhando
os faróis aparecem distantes como olhos da noite,
tento ficar acordado, caminho lentamente,
o sol me alcança, os primeiros tons do dia, meio avermelhados, a claridade me cegando,
os primeiros tipos pelas ruas,
os últimos devaneios.

café

tomei o café com voracidade como se fosse me trazer ao mundo. existo?

insônia

ouço a brasa do cigarro devorar o papel,
sopro a fumaça contra o espelho,
mais uma bituca
para o cinzeiro sempre cheio.
a noite passa lenta, me pego olhando pro teto,
observo o frenesi dos insetos
que bailam para a luz.
abro a janela, risco outro fósforo,
mais uma bituca para aquele,
mais um inseto para aquela.
o ponteiro do relógio nunca se move,
ando pela casa,
nada na geladeira,
olho o cigarro queimando,
os insetos,
o cinzeiro,
insônia!

o último dia de tristeza

A chuva cai forte lá fora, o cheiro de terra molhada invade a casa e com ele a tristeza, uma brisa gelada desliza pelo rosto, uma melancolia estranha com gosto de sal provoca um nó na garganta, os pequenos olhos castanhos umedecem e brilham, um brilho opaco e sem vida, sem emoção, é apenas uma lágrima que teima em estar sempre ali só esperando uma oportunidade de rolar, vagarosa e vitoriosa, pelo rosto que sempre esta armado com um quase sorriso, quase sempre falso.
Aquele rosto feliz quando está entre outros se desarma em dias como aquele, quando percebe o quanto é só e o quanto é triste, diante do espelho se olha com a calma e a paciência, que lhe são tão peculiar quanto a ansiedade e a insegurança que lhe tornaram um fumante compulsivo, que o faz perambular pelas ruas inserto do que quer.
Em dias como aquele pensa nos amores que sempre se perdem em algum lugar, dos grandes feitos que ambiciona mas sabe que nunca vai realizar, sente o medo de viver uma existência medíocre, quer retroceder aos quinze anos e fazer tudo diferente, deseja ser outro, decide mudar e no momento seguinte se dá conta de que já se propôs a isso tantas vezes e ali está, com os olhos cheios de lágrimas e sem forças.
Mais uma vez se vê completamente entediado, inventa para si que as coisas logo vão mudar, e sentado ele espera, espera um grande amor, espera as grandes idéias, espera o dia em que sua vida vai ser outra. Fica assustado ao se ver velho e sozinho em um quartinho qualquer imaginando que se pudesse voltar aos 25 faria tudo diferente.
Uma garoa fina cai do céu carregado, o mundo parece estar parado, as horas que demoram a passar o deixam inquieto, o cinzeiro já transborda derrubando algumas bitucas pela mesa, olha ao redor procurando alguma coisa que lhe distraia, pega o telefone pensa em ligar pra alguém, pega um livro lê três linhas, abre a geladeira e não se interessa, liga a tv e não gosta, liga o rádio mas não quer, fica no silêncio tenta dormir, sem sono, acaba acendendo um cigarro.
Troca de roupa, sai, uma fina garoa vai aos poucos molhando sua roupa, seu cabelo, andando sozinho tenta esquecer a tristeza, faz frio, para num boteco e toma um conhaque, pede outro e fica ali no balcão olhando para as dezenas de garrafas expostas nas prateleiras, ao lado um senhor sozinho bebe uma cerveja, ele usa um chapéu de feltro preto, combinando com o cinto e o sapato, um palitó azul marinho e calça bege, um certo ar distinto parece esconder uma amargura que aparece na sua fala ao pedir um maço de cigarros e de pois sair, o dono do bar, usa uma camisa pólo surrada com manchas nas axilas, uma bermuda branca e sandálias de couro, um anel combinando com a pulseira dourada, sentado atrás do balcão lê a sessão de esportes do jornal resmunga alguma coisa, faz sinais com a cabeça, e ao fim solta um comentário definitivo: – Desse jeito não dá.
Andando novamente sente as gotas de chuva que batem cada vez mais forte em seu rosto, atoa, procura um caminho qualquer que talvez lhe ajude a se encontrar, já não pensa em mais nada específico apenas acelera o passo sem prestar muita atenção pelos lugares ou pessoas que apareciam em seu caminho, ascende um cigarro, pensa que talvez fosse bom arranjar um emprego, pelo menos ia ter alguma coisa pra fazer, ficar oito horas atrás de uma mesa carimbando papéis ou atendendo telefonemas: - sei lá, melhor não.
Solta um bocejo, ri de si mesmo, decide voltar para casa, ligar pra alguém, convidar para uma cerveja, falar umas bobagens, bruscamente muda o caminho atravessa a rua sem perceber o carro que vinha, o motorista não tem tempo de desviar, tenta frear, o asfalto molhado, os pneus escorregam, antes do impacto ele já sabe, nem se vira, mas não há mais tempo, a bituca cai e se apaga numa poça junto ao meio-fio.