segunda-feira, agosto 31, 2009

Da série: brincando com tatu


Algumas vezes minha mãe me levava pra Cidade – era assim chamávamos São Paulo lá em Osasco -, duas horas de trem e ônibus e sempre um cachorro quente na rua, como tem que ser: com purê de batata. As vezes eu pedia pra ser um lanche do Mcdonalds. A produção pra sair de casa também era divertida, roupa de sair, tênis novo, nunca um Nike como eu queria, naquela época não tinha essa história de tênis em camelô, só se fosse chinesinho (o verdadeiro tênis paraguaio). Eu olhava a cidade meio com desdém, me sentia mais esperto que ela, sabia bem me movimentar em ônibus e trens, em ruas cheias e no meio dos carros, nada me surpreendia muito nas ruas, ficava meio sem jeito era quando entrava em shoppings, parece que sempre me faltava algo. Talvez me faltassem etiquetas e um Nike. A etiqueta da rua me caía melhor.

sábado, agosto 29, 2009

Da série: memórias de infância

O cheiro de pólvora se espalha levado pelo vento; seguidos estrondos são ouvidos pela vizinhança numa época em que o termo terrorismo não fazia o menor sentido. Eram os meninos da rua XV de Novembro explodindo tudo o que conseguiam, os alvos preferidos eram as caixas de correio, tijolos dos muros, latas encontradas pela rua. Eu era um menino bomba numa época em que 11 de setembro era só uma data.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Da série: memórias de infância

Kika era a cadela vira lata de meu vizinho, como boa cadela, periodicamente nos presenteava com sua ninhada. Na minha vizinhança filhotes de cães tinham os mais variados destinos, o primeiro deles era o Corguinho do fim da rua, sem muitas delongas os filhotinhos eram lançados à companhia dos ratos, bem criados por sinal. Nossa turminha dava um fim mais humanitário pros bichinhos: primeiro, pegávamos uma caixa de papelão, meia dúzia de filhotinhos dentro e um passeio pelos quarteirões, escolhíamos casas bem acabadinhas, afinal as pessoas precisam de uma boa situação pra cuidar das crias, segundo, víamos se não tinha outro cachorro, especialmente grande, pois pode querer acabar com o novo hóspede. No mais, era a fé de que o cachorrinho ia comover o coração da nova família. De tempos em tempos passávamos pra conferir se a criaturinha engordava nos novos quintais, se ali não estavam, não era muito difícil que estivessem sendo devorados por alguma ratazana no nosso querido Corguinho.

domingo, agosto 23, 2009

De volta ao bar

Os textos abaixo fazem parte de um projeto que chamei “pequenas intervenções literárias” que ando fazendo no orkut, dia desses uma amiga me alertou que o orkut é um espaço fechado e que seria mais interessante eu publicar aqui no blog, concordo, e além disso, dá um trabalho danado postar no orkut, pois tenho que fazer um por um.
Bom, são duas séries que são paralelas e dialogam uma com a outra, uma chamada Memórias de Infância e outra Brincando com Tatu, a grande diferença é que nessa segunda os textos vem sempre acompanhados de uma imagem, todas criadas por uma artista plástica aqui de Londrina, chamada Tatu, eis o nome: Brincando com Tatu. Esses textos são produzidos a partir da imagem, então são praticamente de co-autoria, (apesar de achar essa porra toda de autoria um saco), mas enfim, eles existem porque foram estimulados pela arte dela.

Da série: brincando com tatu


Uma vez meu pai me apontou um anu preto e falou: não da pra acertar esse passarinho, ou você erra ou o estilingue arrebenta. Um dia um anu pousou no pé de Santa Bárbara na frente de minha casa, eu olhei, mirei displicentemente e disparei: certeiro. O negro anu caiu na minha frente, debatia-se no chão agonizando. Corri pra dentro de casa, peguei um saquinho, desses de mercado, embrulhei o anu e o escondi embaixo de minha camiseta, como se ocultasse um cadáver, peguei minha bicicleta e com pernas trêmulas fui o mais longe que consegui. Pressionava o pássaro contra meu estômago, e sentia em minhas entranhas o bicho se mexer. Antes de lança-lo no mato tentei quebrar seu pescoço e acabar de vez com nosso sofrimento, não consegui. Ao virar as costas e ir embora ainda olhei e vi o saco se mexendo no mato. Matei meu primeiro mito aos 12 anos. A angústia não.

Da série: brincando com tatu


Quando pequena, vasculhava o quintal cimentado e cinza, como os tatus bola que gostava de colecionar, sabe, aqueles bichinhos que quando se encosta a mão ele enrola-se em si mesmo. Ela fazia o mesmo com uma porção de pequenas criaturas que ia encontrando, joaninhas, taturanas, besouros. Um dia percebeu um desses bichinhos lutando para escapar do vidrinho, cuidadosamente preparado com furinhos na tampinha e tudo, não queria afinal que aos bichinhos faltasse ar. Parece que ele não gosta da casa, quer ir, pensava ela, mas eu quero ele perto de mim, insistia. Às manhãs logo olhava para o lar de seus bichinhos, ali, ao lado da cama. Um dia nenhum mais se mexia, uma enorme tristeza lhe tomou, e ela foi se enrolando como seu tatu bola, enrolou-se-em-si, e chorou.

Da série: memórias de infância

Venho de um lugar onde os sobrados se amontam: esguios; cinzas (as vezes tem cor colorida); as tintas do pixo cobrem os muros. Os pipas se divertem no céu, as linhas se enroscam no mar de antenas de alumínio e a globo sofre interferências: já eramos hackers e nem internet tinha.