sexta-feira, março 30, 2007

Anda um tanto quanto cansado dessa ausência ao seu lado. Se percebe com medo de se abraçar de vez a essa Dona Solidão, são gelados os seus braços, as mãos da solidão não suam, não lhe apertam os dedos. Os olhos de Dona Solidão são tão profundos que não se vê o fim, são tão negros quanto esse céu noturno sem luz nem de lua, essa anda a se esconder, como que para deixá-lo sem rumo. Como já são velhos esses sentimentos, o pó já se acumula sobre o telefone no canto da sala, dele já não ouve som algum já faz tempos.
Faz falta ao moço segurar em uma mão quente, na frente da tv, vendo alguma bobagem no sbt. Os lábios secos, a barba cresce lenta, as costas que se curvam, sente o tempo lerdo se perdendo, passa pela janela tão lento quanto esse calor. Sua sorte é o Belchior cantando em sua vitrola, e nas Paralelas o disco riscado repete incansável, “Como é perversa a juventude do meu coração, que só entende o que é cruel e o que é paixão”.

segunda-feira, março 26, 2007

menino suburbano

Corria de pés descalços, pernas finas e tortas, cabelo aos ombros queimado de sol, ligeiro e esperto, sempre esperando a próxima aventura, disposto a dar a volta ao mundo. Por enquanto girava pelas ruas do bairro. Desmonta a bicicleta e sonha com a motinha, calça o quichute e sonha com o nike, nunca vai ter. Toma banho na caixa d’água, não vai ter piscina, calça zoomp que nada, vai no bacião. Quer o olhar da loirinha, vai ficar na mão. Esse menino suburbano.

em terras londrinas

Já se faz noite
Ando pelo quarto
Risco o fósforo
Ilumina a face que ninguém vê
Pela janela as luzes
Escapam por entre a neblina
Essa pequena londres
Não me escapa essa angústia
Só pequenas lágrimas
São bons os momentos de sorrisos
Em faces amigas
O sabor do tabaco
O cheiro de terra vermelha
Não cessa de molhar
A boca
Não cessa de salgar
Não consegue sair do lugar. Abre os olhos mas não se mexe, apenas os cílios a se movimentar e um pouco de saliva que escorre com dificuldade goela abaixo. Não sente dor, do rádio vem uma linda voz, canta tristezas de um amor que se foi. É uma linda voz. Acorda novamente, mas não se mexe, ali estático já não sabe mais se esta a sonhar. O quarto ainda escuro, a luz com dificuldade se espreme entre as breves frestas da persiana. Não consegue sentir o corpo, o ar quente, abafado, o suor escorre, sente o lençol úmido. Só pode estar dormindo, é o que pensa. Por que não consegue se mover, ainda há pouco deitara. Será que no sonho se esqueceu que não andava, será que sonhou que chegou naquela cama andando e agora acordou ali vegetando como sempre esteve. Convencido de que estava paralítico não se conforma, deseja a morte com tanta força que começa a lhe faltar o ar, morte provocada com a força do pensar, será possível? Mas se aquilo tudo for um sonho. Ninguém morre em sonho é o que pensa, então quando estiver a morrer eu vou acordar, é assim que acontece nos sonhos, a gente acorda antes da morte. Nunca acordou. Ou nunca deixou de sonhar.

quarta-feira, março 21, 2007

Não era a falta de sono que o incomodava. Pior era ter que pensar enquanto ficava debruçado em sua janela. Mudou-se para o interior e pisa em chão vermelho. Compra cigarros no posto de gasolina da esquina. Anda por ae, como de costume. Conversa pouco. Escreve menos ainda. Sente dor nas costas. Sua barriga cresce. Seu tédio também.