terça-feira, outubro 04, 2005

o último dia de tristeza

A chuva cai forte lá fora, o cheiro de terra molhada invade a casa e com ele a tristeza, uma brisa gelada desliza pelo rosto, uma melancolia estranha com gosto de sal provoca um nó na garganta, os pequenos olhos castanhos umedecem e brilham, um brilho opaco e sem vida, sem emoção, é apenas uma lágrima que teima em estar sempre ali só esperando uma oportunidade de rolar, vagarosa e vitoriosa, pelo rosto que sempre esta armado com um quase sorriso, quase sempre falso.
Aquele rosto feliz quando está entre outros se desarma em dias como aquele, quando percebe o quanto é só e o quanto é triste, diante do espelho se olha com a calma e a paciência, que lhe são tão peculiar quanto a ansiedade e a insegurança que lhe tornaram um fumante compulsivo, que o faz perambular pelas ruas inserto do que quer.
Em dias como aquele pensa nos amores que sempre se perdem em algum lugar, dos grandes feitos que ambiciona mas sabe que nunca vai realizar, sente o medo de viver uma existência medíocre, quer retroceder aos quinze anos e fazer tudo diferente, deseja ser outro, decide mudar e no momento seguinte se dá conta de que já se propôs a isso tantas vezes e ali está, com os olhos cheios de lágrimas e sem forças.
Mais uma vez se vê completamente entediado, inventa para si que as coisas logo vão mudar, e sentado ele espera, espera um grande amor, espera as grandes idéias, espera o dia em que sua vida vai ser outra. Fica assustado ao se ver velho e sozinho em um quartinho qualquer imaginando que se pudesse voltar aos 25 faria tudo diferente.
Uma garoa fina cai do céu carregado, o mundo parece estar parado, as horas que demoram a passar o deixam inquieto, o cinzeiro já transborda derrubando algumas bitucas pela mesa, olha ao redor procurando alguma coisa que lhe distraia, pega o telefone pensa em ligar pra alguém, pega um livro lê três linhas, abre a geladeira e não se interessa, liga a tv e não gosta, liga o rádio mas não quer, fica no silêncio tenta dormir, sem sono, acaba acendendo um cigarro.
Troca de roupa, sai, uma fina garoa vai aos poucos molhando sua roupa, seu cabelo, andando sozinho tenta esquecer a tristeza, faz frio, para num boteco e toma um conhaque, pede outro e fica ali no balcão olhando para as dezenas de garrafas expostas nas prateleiras, ao lado um senhor sozinho bebe uma cerveja, ele usa um chapéu de feltro preto, combinando com o cinto e o sapato, um palitó azul marinho e calça bege, um certo ar distinto parece esconder uma amargura que aparece na sua fala ao pedir um maço de cigarros e de pois sair, o dono do bar, usa uma camisa pólo surrada com manchas nas axilas, uma bermuda branca e sandálias de couro, um anel combinando com a pulseira dourada, sentado atrás do balcão lê a sessão de esportes do jornal resmunga alguma coisa, faz sinais com a cabeça, e ao fim solta um comentário definitivo: – Desse jeito não dá.
Andando novamente sente as gotas de chuva que batem cada vez mais forte em seu rosto, atoa, procura um caminho qualquer que talvez lhe ajude a se encontrar, já não pensa em mais nada específico apenas acelera o passo sem prestar muita atenção pelos lugares ou pessoas que apareciam em seu caminho, ascende um cigarro, pensa que talvez fosse bom arranjar um emprego, pelo menos ia ter alguma coisa pra fazer, ficar oito horas atrás de uma mesa carimbando papéis ou atendendo telefonemas: - sei lá, melhor não.
Solta um bocejo, ri de si mesmo, decide voltar para casa, ligar pra alguém, convidar para uma cerveja, falar umas bobagens, bruscamente muda o caminho atravessa a rua sem perceber o carro que vinha, o motorista não tem tempo de desviar, tenta frear, o asfalto molhado, os pneus escorregam, antes do impacto ele já sabe, nem se vira, mas não há mais tempo, a bituca cai e se apaga numa poça junto ao meio-fio.

Nenhum comentário: