sábado, outubro 08, 2005

a ressaca que antecede a ressaca


Os músculos doem, as pernas cansadas, resolvo levantar da cama, olho pro relógio já são cinco da tarde, abro a janela do quarto e a luz me atropela, quando consigo olhar para o céu vejo uma mistura de azul a tons prateados, cinza e lilás, nuvens carregadas parecem anunciar uma chuva, sabe aqueles dias que nem parecem existir? Aqueles dias que você não quer existir..., imagino meus olhos inchados, mal consigo abri-los, procuro um cigarro, encontro um nos bolsos da calça que está jogada no chão tão amassada quanto a minha cara nesse bucólico sábado de ressaca.
Risco o fósforo, o cheiro de pólvora e o primeiro trago do dia, o gosto do fumo misturado ao azedo de cerveja da noite anterior me embrulha o estômago, o primeiro trago desce seco pela garganta, café, porra um café! Vou até a cozinha tentando evitar encontrar outro ser vivo pela casa, ia ser bom não precisar ver nem falar com ninguém, chego com sucesso até a garrafa térmica que ainda mantém um café morno feito pela manhã - as pessoas acordam cedo, eu acho isso incrível, um dia eu vou conseguir. Como se vive pela manhã? A tempos que eu não faço essas coisas a não ser voltando pra casa de alguma noite eterna, mas isso eu nem considero manhã, é no máximo um fim de balada - e eu nunca gostei tanto de um café como desse, mesmo morno.
Deito-me na cama, fico olhando pro teto tentando não pensar em nada, a melancolia vai tomando conta de mim assim como a noite vai tomando conta do dia, o céu agora tem tons avermelhados como fogo, as primeiras estrelas começam a surgir, volto para a janela os últimos raios de sol ainda se refletem nos prédios do centro, vai ser uma noite quente a desse sábado, volto a me deitar.
Faz calor, milhares de gotículas de suor com cheiro de álcool se formam pelo meu corpo, penso em um banho gelado que acaba sendo morno, como sempre, penso em fazer algo fora da rotina mais acabo me repetindo. Não... não... hoje eu não vou sair não, vou ficar em casa, aí eu estudo, fico lá, não sei, ouço um som, que lenda. Acabo colocando o mesmo tênis preto a mesma camiseta verde (verde rock), faço o mesmo caminho pro mesmo bar, a mesma cerveja, os mesmos tiozões bêbados, acendo o mesmo cigarro de sempre, o que muda é se eu vou ficar no balcão que é limpo de cinco em cinco minutos com um pano encardido e fétido, ou se em uma das mesas, não menos sacanas.
Saio do banho, os prédios agora se transformaram em milhares de focos de pequenas luzes, sinto a vida pulsar novamente em meu corpo, a rua parece me chamar, resisto bravamente até o telefone tocar e uma voz divertida me dizer: - tem festa.
Às cinco e meia de sábado (domingo, é que cinco da madruga não pode ser considerado outro dia né meu) aqui estou, cansado, mas de alma lavada, assim é o rock, dancei como se o mundo nem estivesse. Em casa, o último cigarro antes de dormir, a fumaça dança ao som de los hermanos, diverte-se como a pouco eu fazia, trago, a brasa esquenta os meus dedos, quente... como aquela sala estava quente! Dançando esqueço do cansaço, o corpo parece ter vontade própria, o suor me toma por inteiro, escorre pelo rosto alcança a boca, sinto o sal, me espanto com a idéia de que ainda posso me divertir, simplesmente, deixar-me levar como se não houvesse aqueles corpos se esbarrando uns nos outros, como se não houvesse mais nada no mundo além daquele lugar apertado, abafado e tomado pela música, o espaço me pertence durante o tempo daqueles acordes.
Parado olhando pra lugar algum, lembro-me que festas assim eram muito mais freqüentes na minha vida, cada vez mais eu me recolho a um universo particular, a pequenas ações sistemáticas e repetitivas, manias e paranóias, angústias e um cansaço sem razão, canso de mim com uma facilidade incrível.
O dia começa a clarear, da janela do quarto vejo um motoqueiro passando na rua lançando jornais, alguns cachorros latem e outros já se acostumaram com a figura e nem lhe dão mais atenção, ele some entre as casas, acendo um cigarro a fumaça irrita meus olhos, sem sono recomeço a beber um resto de conhaque barato, dez minutos, acabou a bebida, acabaram os cigarros, as pálpebras vão ficando cada vez mais pesadas, deito-me, fecho os olhos, a cama gira pelo quarto enquanto o estomago gela, abro os olhos e me sento rapidamente, que bosta! Detesto quando isso acontece! Levanto, vou até a cozinha esbarrando pelos móveis, bebo água, o dia já está claro e é preciso dormir.
Alguém bate na porta do quarto, entra e diz que vai ter um almoço na casa de não sei quem, falo meio sonâmbulo que não vou. Acordo por volta das duas não tem ninguém em casa, acho estranho, depois lembro de alguma coisa, mas enfim a cabeça dói demais pra pensar em qualquer coisa que não seja café e água.
Lembro-me que uma hora ou outra eu vou ter que comer alguma coisa, tenho me alimentado muito mal, perdi dois quilos no último mês, dois quilos pra um magrelo é muita coisa, meus ossos e veias começam a saltar, tenho fumado compulsivamente, talvez porque quando tenho um cigarro às mãos, fico com a sensação de estar fazendo alguma coisa, sabe, olhando pro teto mais fumando um cigarro, puxa o cigarro do maço, segura por um instante de contemplação, acende, um trago, quando há silêncio gosto de ouvir a brasa se alimentando do papel, sopro e fico olhando a fumaça tentando enxergar alguma imagem até que ela se dilua no vento ou no ar. Tenho uma sensação clara de que a vida vai esvaecendo e eu pouco fazendo para...não estar de ressaca.

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