sábado, outubro 29, 2005

Antropoeta, por uma etnografia poetica dos pensamentos.

É! Realmente não é nada fácil escrever, não fácil construir um bom texto acadêmico, assim como não é fácil redigir um bom texto literário, onde se encontram essas duas artes? Será que é possível dizer que um texto científico é uma obra de arte? Até onde um texto acadêmico pode ir sem perder sua objetividade (queiram ou não, fundamental na ciência)? E a literatura? Até onde podemos dizer que é uma descrição e análise da realidade? Muitas vezes ela não é tão objetiva quanto textos científicos? São algumas questões que constantemente me coloco e que poucas respostas eu tenho, talvez alguém possa me responder, tenho apenas algumas considerações a respeito, vagas porém.
Uma vez um amigo disse que todo Antropólogo é um artista frustrado, eis a ciência a que me entrego de corpo e alma, a Antropologia. Voltemos a questão dos limites entre a ciência e a literatura. A etnografia, característica do trabalho antropológico, acredito que esta aí, na etnografia, ou a maneira pela qual descrevemos nosso “objeto” de pesquisa, o espaço em que temos a liberdade de nos aproximarmos da literatura, não da ficção é preciso ficar claro, uma literatura realista portanto.
É nesse universo que nos valemos dos mais diversos recursos literários, ora se devemos fazer uma “descrição densa”, para usar um termo de Geertz (me permitam deixar um pouco de lado referencias mais detalhadas, afinal esse não pretende ser um texto acadêmico), temos então que buscar aquilo que não está dado a priori, olhar para o que dizem os gestos, perceber o que está nas entrelinhas do real. E a literatura? Ela não busca, em certa medida, dizer sobre esses espaços, procura falar sobre algo e levar o leitor a imaginar os mais tênues detalhes, e para isso muitas vezes ( me permitam também certas generalizações para a comparação ) se valem de analogias que procuram mostrar ao leitor as diversas formas que algo pode ser visto ou pensado!? É uma exclamação interrogativa que faço.
Talvez, penso eu, cá com meus botões (termo roubado de Vivian), esteja aí, nas analogias, nas comparações, o universo compartilhado pela antropologia (e não só ela) e literatura, lembro do bom e velho Levi-Strauss com suas piras (porque, cá entre nós, Levi-Strauss é pirado) e analogias das estruturas musicais com as da mente, ora pra nos explicar e para situar o leitor, além dos conceitos, ele normalmente, e não só ele, se vale de tantas analogias, que parece absurdas em vários momentos (e não são), e de tantos recursos, e estes últimos, acredito ser possível dizer, são nada mais que recursos literários.
Ou seja, na ciência, você não pode criar uma história, inventar um dado, mas você pode falar sobre ele de infinitas maneiras, os conceitos dão a base argumentativa e a escrita fornece o recurso explicativo. Aí eu me pergunto. Poderia eu fazer uma etnografia poética? Acredito que sim. Apesar dos limites que nos é imposto na academia, muitas vezes demasiados rigorosos, temos liberdade para colocarmos a nossa voz e a nossa subjetividade, é preciso tomar cuidado para não cair num niilismo que para ciência não serve, mas o investigador pode se apresentar como lhe for conveniente e justificável, quando escrevo para o blog, penso que estou fazendo uma etnografia poética dos meus pensamentos, por que não fazer uma etnografia poética do pensamento dos outros, das atitudes e ações dos outros, quando procuro entrar no universo da pesquisa ou do pesquisado, por que não poderia descrevê-los através da poesia? Imagine uma etnografia toda feita em poesia, não seria fantástico? São alguns devaneios que merecem maiores reflexões, gostaria de ajuda para fazê-lo, mas alguma coisa devemos ousar na busca de uma ciência mais aberta a diálogos com outras fontes de conhecimentos. Falar sobre as realidades a que nos enfrentamos é sim uma arte, a arte de descrever e analisar fatos que exige muito, que muitas vezes leva à exaustão, isso pode ser feito das diversas formas que a escrita permite. Não sei, portanto, se ao me pretender Antropólogo o faço por uma frustração artística, claro que gostaria de ser músico, escritor, poeta, ator, pintor e etc ..., mas por que não posso ser um Antropoeta?

7 comentários:

Anônimo disse...

antropoeta! adorei o neologismo!
eu acho que antonio candido é um desses, morro de vontade de ler "os "parceiros do rio bonito
cabelo, tbm partilho dessas angustias....e vêm de longa data.
podemos conversar mais sobre isso? num bar de preferência
tenho medo de cair no pós- modernismo......acho q antropologia nào pode ser = literatura. Mas não precisa ser contraposta a.
sei lá. penso mto nisso tbm, vamos conversar, antropoeta?
bjo

elias disse...

pois é cris, o problema é o pós-modernismo, mas é melhor conversar no bar mesmo, vamos marcar.

Projeto Miolo Mole disse...

q lindo, cabelo! eu e o Valentin já conversamos muito sobre isso, a possibilidade de uma etnopoesia... e sabe que eu acho que O Eduardo Viveiros de Castro sempre dá um jeito de colocar uma impressão poética no meio de tudo? Tem uma tese dele com o Valentin que na introdução ele fala da impossibilidade de aproximação entre o antropólogo e no caso, uma criança indígena, ele fala do cosmo com uma poética incrível... topo a reunião no bar -rs

elias disse...

é Lú, foi um momento de desabafo, no entanto, ah esses no entantos, eu to aqui lendo um texto do James Clifford: sobre a autoridade etnográfica que me deu um nó na cabeça, segundo ele esse eu poderia ser considerado demasiado romantico, tem um sério problema sobre a interpretação e a relação das subjetivadades envolvidas, o problema é que teríamos então mais uma questão, que é a das multiplas interpretações que a poesia pode ter, mas sei lá, que tal o bar no domingo a noite, quando eu voltar de crtba, fica o convite para todos os interessados, no J.

Cris Thaís Quinteiro disse...

hoje eu tava me lembrando daquela frase do bom e velho lévi-strauss
nào sei se vc conhece
"quem não gosta de si próprio vai fazer psicologia, quem não gosta da própria sociedade vai fazer sociologia, e quem não gosta de ambos vai fazer antropologia".
e quem vai fazer poesia, não gosta de quê?
bjo

Anônimo disse...

Elias,

Talvez a diferença básica entre antropologia e literatura seja a exploração da linguagem. Por sua objetividade descritiva, a etnografia não pode desvendar a linguagem de seus usos científicos, tudo que fala tem que ser unívoco. É só ler Augusto dos Anjos, já leu? Freqüentemente sua poesia faz uso de termos científicos, mas eles estão carregados de ambigüidades, capazes de darem conta da degradação do corpo espiritualmente. A antropologia, e a ciências sociais em geral, é pobre no recurso lingüístico. A descrição é tão detalhista que é antiliterária, pois se perde na construção do ambiente, descaracterizando-o em relação ao indivíduo. A descrição literária, por sua vez, demonstra como o ambiente é, de alguma forma, extensão do individual. Pegue Moby Dick, de Herman Melville. Ao ele descrever fisicamente um personagem descreve a alma do personagem; a fisionomia é extensão de a individualidade. A literatura, quando descreve, não se preocupa em entender o ambiente em si mesmo, de como a sociedade faz uso dele, mas o usa para caracterizar o indivíduo em relação ao ambiente. Enfim, na antropologia, o indivíduo se perde na descrição, enquanto na literatura o indivíduo se encontra nela. E tudo só pode ser realizado através da exploração da linguagem. Aconselho você a ler João Antônio, principalmente Abraçado ao meu rancor, ele demonstra, através de seus textos, qual é o limite das ciências sociais. Ao ele descrever uma galeria, por exemplo, ele demonstra habilidade etnográfica, mas torna o texto atraente devido ao recurso literário que os etnógrafos não fazem uso por inabilidade lingüística. Espero contribuir para suas elucidações?

elias disse...

valeu dicarlo, gostei de seus comentários, voce tem toda a razão, uma etnografia poética pode permitir uma infinidade de interpretações o que afasta a objetividade do texto etnográfico. Hoje ao ler meu texto percebo que resvalo muito nas leituras pós-modernas, também acho importante suas considerações sobre o pensar o indivíduo e a sociedade, se bem que ao descrever o indivíduo, pensando à luz de Mauss, deve-se alcansar à sociedade, isso pode ser feito na etnografia, descrevo o o indivíduo e me valo recursos literários (ou linguístico) para tornar belo o texto mas complemento com a análise da descrição situando os aspectos "aparentemente" individuais, e voce tem razão que o indivíduo se perde pois a busca está no que a individualidade traz de coletivo, no que ela expressa.