O lento circular dos ponteiros do relógio é o retrato do dia, ela fica zanzando pelo apartamento com preguiça de existir, da sacada do oitavo andar fica a observar os transeuntes procurando pessoas familiares, acende o cigarro e tenta acompanhar seu cuspe até o momento que se espalha no chão, mania que a acompanha desde criança, fica tentando acertar um em cima do outro ou uma cabeça qualquer.
Volta para dentro e deita no sofá vermelho e preto e dali contempla o teto e o silêncio que só é rompido por um motor barulhento que passa pela rua, desce e compra algumas cervejas, fim de tarde melancólico.
No mercado passeia entre as prateleiras olha os preços e as pessoas que a tempos já não lhe interessam, criou um pleno desprezo pelo ser humano, vive só e evita ao máximo multidões, na rua procura as calçadas mais vazias, os lugares ela freqüenta nos momentos de tédio e para necessidades fundamentais como comprar comida cigarro e álcool.
Volta para casa com impaciência neurótica de sua existência, só entra no elevador quando vazio, deu sorte dessa vez, ele o aguardava como se adivinhasse seu mal humor, em certa ocasião ficou por mais de hora esperando, pessoas chegavam e ela esperava, por pura implicância não subiu pela escada, esperou que ninguém fosse mais subir e então entrou no seu elevador sem ter que passar por aqueles eternos momentos de silêncio entre quase conhecidos dentro de um elevador, ta aí algo que ela realmente tinha pânico.
Em casa o telefone toca e ela fica lá contemplando o aparelhinho até que enfim para e só então ela consegue respirar normalmente, resolve desligar de vez o aparelho, só não tinha feito isso até então porque cultivava certo prazer em ficar lá ao lado enquanto tocava, só para não atender. O que lhe dava prazer agora a deixava aflita, assim também era com os ônibus, adorava entrar em qualquer linha que passava e ficar rodando pela cidade, qualquer um que estivesse vazio é claro, até o dia em que fazia o itinerário que mais gostava porque sempre estava vazio, sempre até aquele dia, quando por um motivo misterioso – talvez um outro ônibus quebrado ou o fim de algum evento – começaram a entrar muitas pessoas e muitas crianças, pequeninos seres que ela não suporta, quando se deu conta estava perdida entre uma multidão barulhenta e feliz, suava frio e tinha ânsias e ali mesmo vomitou, quando consegui sair jurou pra si mesma que nunca mais entraria num ônibus, e la se vai um ano de promessa cumprida.
Tem se tornado cada vez mais sistemática e tem se arrumado muito, troca de roupa pelo menos três vezes ao dia, mesmo sabendo que não vai encontrar ninguém quer estar sempre bonita e se olha muito no espelho, tem uma técnica muito particular de se vestir e se despir, sempre arruma o cabelo ainda nua, depois as bijuterias e por ultimo as roupas pra se despir primeiro tira a roupa, bijus e cabelo e faz isso ao menos três vezes ao dia.
Já desistiu de ter animais, já teve peixe e gatos, não gosta de cachorros, o peixe morreu ainda na primeira semana o ultimo gato tinha dois anos quando caiu da sacada ao tentar dar um bote numa pomba. Então decidiu ser sozinha mesmo até música parou de ouvir, vendeu a tv e agora pensa em dar fim nos livros e ficar só ela e seus pensamentos.
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