quinta-feira, outubro 19, 2006

pensava em corações partidos aquele moço

Pensava em corações partidos aquele moço, olhava para o seu cinzeiro e via ali suas angústias amontoadas a transbordar, devorava os conteúdos dos copos e taças, devorava suas emoções, devorava corações como um cão faminto a saborear carne crua. Ouvia a brasa queimar e apagava o cigarro em sua pele, marcava sua pele e alma e se contorcia em gozo e desespero.

Olhava a calçada, lá do alto do décimo primeiro andar, e imaginava seus órgãos a se espalhar entre as pernas dos transeuntes, pensava na banheira cheia a rosear a partir do sangue de seus pulsos, pensava nas pombas da praça a lhe devorar os olhos castanhos enquanto se masturbava, aquele moço, de face tão tranqüila, pensava em riscar suas pernas com a ponta da faca mais reluzente que encontrara e em seguida cravar a mesma entre os dedos do pé esquerdo.

Pensava em delicadezas aquele moço, pensava em abraçar aquela pequena senhora que anda tranquilamente lá embaixo dos onze andares, pensava em mandar flores a seus amigos, pensava em beijinhos estalados na face de sua garota, pensava em gentilezas com estranhos, em ceder o lugar no ônibus para aquela mocinha que se espremia entre os trabalhadores suados, penava em compra uma marmita para aquele senhor que baba na calçada lá embaixo.

Ainda pensava em delicadezas e gentilezas quando finalmente apertou o gatilho, mas já em nada pensava quando pedaços de sua massa craniana respingavam pelas faces dos pedestres que olhavam para o alto décimo primeiro andar curiosos com aquele estrondo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Quanto tempo sobra para partir a alegria? "Hein?"
Bons. Tempos. Quantos. Poxa, já nem me esqueço mais.
(Ou - O quão será elástica uma tristeza? Ela puxando prum lado e eu pro outro - "e nunca arrebenta!" -, ou será que não?)
Ok. Mas então, você ainda está cavando esse buraco... pra quê? "Para si interrar, pra si interrogar". Dúvidas, duvida? Como deita o ditado: se alguma coisa não tem fim (?), a outra sim (!)
Ah, já chega né?! De senso comum e mesmice bastam as boas aulas de antropologia... Vamos para a terceira margem ("é bom virar essa canoa, senão lá não se chega hein!"). Vamos conjugar o verbo na quarta pessoa do plural ("no começo era o delírio do verbo...")
_ _ _ _ _

"Mas hein? Tá bom, deixo a última, sinceríssima: O bar do Gerson não é mais o mesmo sem vocês! Aí, viver só, olhando pro mar"

Gabriela Galvão disse...

Desculpa a plumbice, mas... inveja (do personagem).