Não há cortina em seu quarto, a claridade atravessa o vidro e se impõe, os olhos vão se acostumando entre um fechar e abrir irritado, o telefone insiste em tocar por pura provocação, o frenesi dos carros e o constante apertar de buzinas lhe dizem que existe vida lá fora, irritantemente existe vida. Arrasta-se até o banheiro, se debruça na pia, abre a torneira, com a mão em concha apanha um pouco de água e leva até a boca azeda, sente os fios da barba de quase homem não tão jovem e pouco velho, esfrega os olhos com certa impaciência, passa para a sala e alcança, bravamente, a cozinha, põe água no fogo e fica a ouvir, entre os rumores de existência externa, o barulhinho das gotas a borbulhar dentro da panela, logo o aroma do café lhe atrapalha um pouco o mau-humor, abre a janela da sala do décimo primeiro andar e acende um cigarro para o café acompanhar, lá embaixo, na rua estreita, carros e pessoas disputam espaço, lá em cima a fumaça do cigarro toma seu próprio destino e vaga no ar denso. Senta-se na janela e o estomago e a espinha ficam gelados, traga calmamente o cigarro e toma um pequeno gole no café já não tão quente, e então não ouve mais sons, as ruas desertas num tom melancólico de feriado e de domingo a tarde, ele anda pela rua e não há peso sobre seus ombros, não sente calor ou frio, caminha até o mar que nunca foi tão azul e permanece ali, olhando para lugar algum e sente-se leve, volta com uma felicidade infantil, que só se desfaz quando vê o seu corpo desfigurado afundado na calçada, mas não se lembra de como foi a queda por onze andares, talvez seu coração tenha explodido antes de alcançar o chão, talvez tenha se arrependido no meio do caminho, talvez nunca quisesse ter morrido, mas o fato é que não há mais peso sobre seus ombros.
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