segunda-feira, abril 03, 2006

Domingo

Tem momentos em que é melhor nem pensar, dias de sol, domingos de sol, quando entre os prédios do centro não se vê viva alma, quando o dia cai tão lentamente quanto a cinza do cigarro percorre os onze andares até se desmanchar no chão. Quando as torres da igreja calmamente espiam o movimento da procissão, quando o louvor chega a Deus em vozes de canção e o coração apertado sente o olhar perdido no vazio do quarto, entre vazios está a fumaça que insiste em brincar, em zombar de pensamentos de melancolia, e os momentos se vão quando o sol caprichosamente se deita ao mar e as sombras dos edifícios tomam conta da calçada, da rua. E, inesperadamente, a noite traz a chuva.
Ele sai a caminhar, cada gota lhe torna mais humano, desliza pelo cabelo, pela face e ele sente o úmido, o frio, o viver só entre o chão de pedras e paredes coloridas, sente o silêncio atrapalhado pelo o alarme que dispara, sente o corpo do homem que fede abaixo de uma marquise, sente a crença da velha solitária, que como ele, anda sem rumo, sente a vida que pulsa sonolenta em cada apartamento e se vê diante das grandes torres que o olham de cima num tom austero, quase se benze num reflexo de cristandade remota, olha para o décimo primeiro andar do prédio ao lado e as luzes apagadas anunciam os próximos momentos de vazio.
Sem acender a luz se dirige à janela, quando aberta, permite ao vento um circular vagaroso pela sala, a fumaça do cigarro, que começa a ser consumido pela brasa, dança em par com a brisa, lá embaixo a água faz do asfalto um negro brilhante, lá de cima as torres já não são tão imponentes e o último cigarro do maço se vai junto ao último minuto do domingo.

2 comentários:

Anônimo disse...

nossa cara, q lindo.

Anônimo disse...

entonces! vou ler com calma, mas adorei a iniciativa de `prosa poética`!

http://caduhenning.brasilflog.com.br/

o meu é mais fotográfico, mas às vezes ponho algumas cositas, geralmente poemas...