quinta-feira, janeiro 19, 2006

traje de domingo

O dia começa ceder à noite, ela traz ao seu espírito algo de confortante ao mesmo tempo que inquietante, quer sair a andar pelas ruas, gosta de ouvir seus passos incomodando o silêncio ao lado de latidos distantes, gosta de passar pelo lago e ouvir os murmúrios da água, ao andar faz planos e pensa no passado, foi assim sempre, gosta de sair só e criar expectativas sobre o que vai ser mas quase sempre nunca é. Hoje vai ser diferente: é o que sempre pensa.
Arruma-se, sua melhor roupa, roupa de domingo é o que pensa, assim era quando ia à missa domingo pela manhã, quando criança sua felicidade era poder usar sua melhor roupa, aquela que nunca podia colocar para brincar, era permitida apenas para missas e festas, gostava de observar as pessoas pelo caminho da igreja, caminho feito a pé. Com seu traje de domingo faz seu caminho, agora não mais domingo de manhã, prefere as noites, mas ainda a pé, não mais levado pelas mãos da mãe, agora só.
Agora caminha só, fuma cigarros e bebe conhaque, sua mãe continua a querer levá-lo à missa, pelas mãos se fosse possível, reclama muito de seu gosto por cigarro e bebida, e de suas caminhadas noturnas pelos bares da cidade. O mundo o roubou de mim: ela deve pensar. Agora ele quer ser tomado pelo mundo, pertence aos balcões e gosta muito de dormir nos domingos pela manhã.
Sente-se bem ao cumprir seu ritual, não mais dominical, ao pisar na rua acende seu cigarro de filtro branco, caminha observando as coisas ao seu redor na tranqüilidade de seu caminho silencioso, anima-se ao chegar no centro e ver o frenesi circular de carros e pessoas, gosta de chegar ao bar quando ainda não há conhecidos e pedir a primeira cerveja no balcão, ao primeiro gole o primeiro trago do próximo cigarro. Sua roupa de domingo logo vai estar tomada pelo odor do cigarro e por respingos de bebidas quaisquer, logo vai estar tomada pelo suor do corpo a dançar, amassada por mãos a lhe apertar, talvez seu traje de domingo vá estar a escutar gemidos ao pé de uma cama qualquer.

6 comentários:

Marco disse...

Muito bom, consigo sentir a presença da garota, é quase como se eu a conhece intimamente... Acho que a conheci, talvez até... Um Abraço

Anônimo disse...

sempre associam à mulher.
intrigante...
e as mulheres sempre se identificam...
mais intrigante ainda.

elias disse...

pois é anonimo, as vezes escondos os artigos feminino e masculino de propósito pra dar essa idéia meio andrógena mesmo, tentando omitir as representações de genero, no caso desse texto acho que o marco foi influenciado por uma das ultimas passagens, que eu falo ela me referindo a roupa, mas la em cima tem alguns artigos masculinos, em outros casos tenho tentado escrever numa perspectiva feminina, o que é bem foda, é isso. inté.

elias disse...

acho que atravessar as relações de genero, é melhor que omitir.

Anônimo disse...

o que não deixa de ser intrigante a tendência de relacionar com mulheres.

Anônimo disse...

Nossa querido!!Ficou ótimo!!